OPINIÃO: Ainda faz sentido assinalar o dia da mulher?

Há 46 anos que o Dia Internacional da Mulher é celebrado em vários países e a tónica assenta sempre no mesmo objetivo: alcançar a igualdade de género. Mas, nos dias de hoje, ainda faz sentido celebrar este dia?

Flores, chocolates e presentes à parte, é necessário lançarmos um olhar atento sobre o passado para compreendermos o presente. As desigualdades enraizadas durante séculos na nossa sociedade geraram uma grande discrepância entre géneros, assumindo-se os homens como a regra geral e as mulheres como as várias exceções. E isso verifica-se em vários sectores da nossa sociedade e em todo o Mundo. Esta desigualdade estende-se do trabalho, à política, às empresas e até ao âmbito familiar. O circuito do poder tem estado fechado às mulheres e para abri-lo é preciso resiliência, vontade e tempo. Por isso é que se decidiu assinalar este dia como o dia Internacional da Mulher. E é também por esse motivo, respondendo aos céticos, que não existe o dia Internacional do Homem. Este dia foi criado para, num plano celebrar as conquistas alcançadas pelas mulheres, como por exemplo o direito ao voto, que até então eram exclusivas dos homens e noutro plano para reconhecer que a desigualdade entre géneros é um problema, infelizmente, ainda real.

Não obstante terem sido criados movimentos que tentam promover a igualdade entre géneros e apesar de ter surgido uma palavra associada a esses movimentos – o feminismo – a verdade é que essa palavra é carregada, nos dias de hoje, com uma conotação muito negativa, associada aos radicalismos do pouco, como diria Fernando Pessoa.

Por definição, o feminismo é um conceito que almeja a igualdade entre homens e mulheres e parece-nos, à partida, uma questão muito simples. Cremos que nenhum pai quer ver a sua filha/mãe/irmã/mulher excluída de um concurso ou de um trabalho pelo simples facto de ser mulher. Cremos que há pessoas que acreditam que as mulheres devem receber o mesmo salário do que homens para o exercício da mesma função. Cremos crer que a sociedade aceita que, se uma mulher tem mérito para liderar uma empresa ou uma equipa tem direito a fazê-lo, isto é, não é pelo facto de ser mulher que deve ser excluída dos cargos de liderança. No entanto, assumimos como certo que a maioria das pessoas tem medo de se assumir como feminista, porque há um enorme preconceito à volta da palavra. Mas o que de facto releva não é a palavra utilizada para definir este conceito, mas sim a ideia a ele subjacente, motivo pelo qual a igualdade de género deve ser encarada não como um objetivo que põe os dois géneros em constante confronto, mas como um todo, uma necessidade da sociedade. De nada vale soprar aos sete ventos que se é feminista se as ações não corresponderem a esse ideal.

Atualmente, somos assoberbados com a temática da pandemia Covid-19 e se pensávamos que os seus efeitos se iriam repercutir apenas nas áreas da saúde e da economia, enganamo-nos redondamente. Estes tempos excecionais vieram levantar o véu e agravar as desigualdades entre géneros. Estudos apontam que as mulheres são quem mais tem sofrido os impactos da pandemia. Por um lado, porque estão mais expostas ao risco devido às profissões que desempenham, por outro lado, porque as medidas de isolamento social dificultaram, para as mulheres, a conciliação do trabalho com a vida familiar e por último, porque as situações de violência doméstica e violência sexual, atendendo às medidas de isolamento social, intensificaram-se gravemente.

A desigualdade entre géneros é, nos dias de hoje, uma realidade que afeta inúmeras mulheres. Mais do que aquilo que pensamos. E se julgamos que é por falar várias vezes do tema que ele deixa de ser um problema, equivocamo-nos.

Ainda hoje há quem pense, erradamente, que a luta pela igualdade de género é uma questão exclusivamente de esquerda. É verdade que os partidos à esquerda fazem desta a sua grande bandeira, em parte para atrair as camadas jovens. Mas tal não significa que estas questões não sejam também apogeu do centro-direita, que sempre ajustou as suas ideias de forma a favorecer o desenvolvimento da igualdade de oportunidades, que está subjacente à igualdade de género. O centro-direita, sem populismos e sem mediatismo, aceita a luta pela igualdade de géneros como uma luta dos tempos de agora. Não camuflemos a realidade, Sá Carneiro foi um dos pioneiros no período pós 25 de Abril a instigar o debate sobre o direito das mulheres. E ainda hoje este partido investe na formação política na área do género. Os aproveitamentos políticos e o radicalismo sobre o tema em nada engrandecem esta luta, muito pelo contrário.

É verdade que a caminhada em busca pela igualdade tem mais do que 46 anos, mostra-se lenta e difícil e muitos são os obstáculos encontrados. Mas se o problema persiste, a ação, o investimento e as respostas coletivas também devem persistir. Não obstante quem se arroga defensor (por excelência) destas causas nos dar, constantemente, maus exemplos. O que espelha que a aclamação da defesa dos direitos das mulheres ainda é, em muitos casos, só para inglês ver.

Precisamos de medidas concretas que garantam a equidade e defendam quem, nesta altura, está mais desprotegido. E infelizmente o nosso panorama atual mostra-nos que ainda precisamos de assinalar o dia Internacional da Mulher para garantir que o problema da desigualdade entre géneros é posto em cima da mesa, quer nas discussões, quer nas decisões políticas. A celebração deste dia pode ter o fim à vista, mas isso só depende de nós. Enquanto a igualdade não for atingida deveremos enaltecer os esforços envolvidos nesta luta e recordar as conquistas que foram feitas e que possibilitaram que mulheres hoje tenham uma posição bem melhor daquela que tinham há cinquenta anos.

Deixe um comentário

error: Content is protected!