OPINIÃO: Enterrados, julgados e políticos

Margarida Cardoso

“Miguel Macedo vai responder por quatro crimes”. Sim, este Miguel Macedo que há pouco mais de um ano era ministro do Governo de Portugal. Sim, vou dar ênfase e pomposidade ao cargo. Ministro do Governo da República Portuguesa. Sim, esse mesmo. Já nem falamos de Sócrates, porque votamos diretamente num assento no banco dos réus.

“Ex-vice-presidente da Câmara de Braga conhece medidas de coação no domingo”. Sim, um vice-presidente de câmara eleito, que se junta à lista infindável de autárquicas ou aspirantes a que estão na fila do banco dos réus. Lista de muitos, e cada vez mais, “Felgueiras”, “Valentins” e “Isaltinos”.

O Estado não é suposto pretender ser imaculado nem perfeito, a igreja já se encarrega de carregar esse fardo. Foi criado para fazer funcionar, para gerir e reger. No entanto, na nossa pequenina democracia pós revolução, o Estado subsiste. Este Estado sobrevive. Este é um pobre Estado de coisas.

Acomodamo-nos à ideia de que os políticos são os piores e votamos no “menos mal” ou na “alternativa ao que lá estava”. Queremos jogar ao jogo em que perdem os dois, mas ainda achamos que o custo de oportunidade é melhor do que arriscar numa votação não convencional. Quando é que os portugueses vão realmente votar em pessoas e não em partidos? Quando é que se vão dar ao trabalho de conhecer quem os quer governar? Daria jeito a todos. A polícia e os tribunais têm sempre mais trabalho, não preciso que votemos para eleger réus. Há que perceber que as eleições servem para isto, apesar de estarmos a cair num engraçado padrão.

É fácil ouvirmos dizer “ai, os políticos são os piores”, “uma cambada de ladrões”, mas insulto e acusação gratuita, a maioria das vezes por repetição, é coisinha que nos podemos orgulhar de saber fazer. Mas já paramos para pensar na primeira frase desta crónica? Já refletimos que os homens e mulheres que se sentam no banco dos réus (demasiado) frequentemente são pessoas que representam e governam o nosso país. Já paramos para pensar na gravidade desta situação? Na demência sociológica que isto significa? Na decadência das instituições públicas e próprio conceito de Estado que isto ilustra?

Margarida Cardoso, estudante de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, vice-diretora do Jornal Universitário do Porto

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