Mais de dois milhões de terabytes. Terabytes. Uma quantidade de ficheiros quase três vezes superior àquela que temos nos nossos discos externos de um tera, cheios de filmes, séries e programas piratas. Quase que aposto que nenhum dos leitores deste artigo vai ler na vida o equivalente a 2,6 terabytes de informação.
Imaginemo-nos no lugar do jornal alemão “Süddeutsche Zeitung” ao receber o maior furo jornalístico da história. Milhões de documentos que expõem líderes globais, figuras que movem massas: Vladimir Putin, Maurício Macri, Sigmundur Gunnlaugsson, Bashar al-Assad, Lionel Messi, Michel Platini.
Como esta informação deve “ter fervido” nas mãos dos centenas de jornalistas que trataram o caso, dada a extensão de casos de corrupção, de lavagem de dinheiros e de fuga aos impostos.
Bases de dados sem rastos, chats encriptados, códigos de linguagem. Bem-vindos ao jornalismo da era digital. Parecem cenas retiradas de um filme, mas foi assim que a fonte contactou com o jornal alemão e os jornalistas entre si. Só assim foi possível travar qualquer fuga de informação ao longo de cerca de um ano de investigação e fazer uma boa história.
Sem o amadorismo fácil de lançar simplesmente a informação na Internet, sem fact-checking e de ter a sorte de encontrar as falcatruas, mas sobretudo, a possibilidade de difamar alguém que é completamente inocente. Jornalismo não existe sem interpretação, sem o olhar crítico, sem seleção.
Mas se o jornalismo vive dias de glória, talvez seja sol de pouca dura. O jornalismo de secretária impera. Mais vale copiar, na íntegra, takes de agência do que ir aos locais. Em que mais vale deixar para trás pesquisas próprias, complexas, do que trazer ao espaço público temas delicados, difíceis, que realmente fazem a diferença. Falta tempo, contactos e recursos, falta dinheiro, principalmente dinheiro. Há pressões, há lobbys e pouca clareza. E lá se vão passando os dias, com a vida a passar ao lado.
Sempre que um repórter sai à rua, tudo é visto com o seu próprio olhar que atenta naquilo que se passa e não no seu próprio ego. Há uma seleção natural, cujo produto final é o que realmente vai interessar aos leitores.
Este devia ser um tempo para mais “Spotlights”. O jornalismo ressente-se da falta de mundo nas suas páginas, da falta de personalidade e de diferença.
O caso “Panama Papers” há de ficar na história como a investigação que fez com que se voltasse a acreditar no jornalismo e no poder que tem para mudar o mundo. Especialmente, para os próprios jornalistas. E isto, meus caros, é o verdadeiro serviço público. É o Quarto Poder em ação.
Cristiana Moreira, estudante de Ciências da Comunicação da Faculdade de Letras da Universidade do Porto