OPINIÃO: As mulheres querem entrar!

Mafalda G. Moutinho

No dia 25 de Marco de 1911, o vespertino “A Capital” deu destaque à luta pelo voto de Carolina Beatriz Ângelo com o título “As mulheres querem entrar: se a lei não nos abre a porta, também não nos põe na rua”.

Carolina, médica, viúva e chefe de família foi a primeira mulher a exercer o direito de voto em toda a Europa Central e do Sul.

Fez uma leitura ousada da lei, peculiarmente feminina, uma leitura, aliás, que os homens republicanos daquela época foram incapazes de prever.

Curiosamente, no mesmo ano em que “A Capital” destaca a luta de Carolina, celebra-se pela primeira vez o dia Internacional da Mulher na Europa, após ter sido instituído durante uma conferência internacional de mulheres que decorreu em 1910 em Copenhaga.

A ideia de instituir o dia internacional da mulher surge no começo do século XX, no contexto da segunda revolução industrial e da primeira guerra mundial, com a incorporação de mão-de-obra feminina em massa na indústria.

Esta data é muito mais que a celebração da condição da mulher, é muito mais que a distribuição de flores pelas ruas, que tão bem nos recordam as características únicas que possuímos e que fazem com que a defesa do direito de todas as liberdades faça todo o sentido.

Esta data simboliza o longo caminho que as sociedades modernas necessitam ainda fazer, pela igualdade entre homens e mulheres.

Este dia apela a isto mesmo, que sejamos feministas convictas da casa ao trabalho, um pouco por todo o lado, durante os 365 dias de cada ano. Sendo que feminismo não é a defesa da mulher em sobreposição ao homem. Feminismo é a luta pela igualdade, que deve incluir mulheres e homens. Feminismo é desejar viver num mundo equilibrado feito para homens e mulheres, sem condicionantes para ambos os géneros: vivamos e sejamos tudo aquilo que quisermos ser sem a censura social, seja do que for e de quem for.

Esta data pede a nossa reflexão, indignação e protesto, tanto a nível económico como político, cultural e social contra a desigualdade de género que pauta diariamente a vida em sociedade por esse mundo fora. Um mundo que continua a não perceber que as sociedades mais pares são mais justas e equilibradas.

Se viajarmos por este mundo fora veremos as desigualdades salariais, os desequilíbrios parentais, os desacertos na realização de tarefas domésticas, os preconceitos sexistas, a violência de género, as mortes recorrentes desta violência, o casamento infantil forçado, a mutilação genital feminina, a desigualdade no acesso à educação, as violações dos direitos humanos fundamentais em todo o mundo.

Ao viajar para a realidade Portuguesa, regressamos ao ano de 1935, no qual foram eleitas as primeiras três mulheres deputadas representando 3% dos deputados eleitos.

Hoje, devido à lei da Paridade (lei das quotas) estabelecida em 2006 as mulheres representam menos de 30%.

É claramente necessário ir mais longe quer no Parlamento, quer no poder local e regional onde estes 30% são inferiores.

É necessário ir bem longe neste âmbito nos órgãos executivos de entidades públicas e de entidades privadas.

Devemos estimular a possibilidade de utilizar toda a competência e capacidade da mão-de-obra existente. Se possuímos mais mulheres a sair das universidades com graus académicos, devemos fazer uso desse investimento.

Apesar de 60% da nossa população empregada e com qualificações ser do sexo feminino, os lugares mais importantes de gestão de decisão são apenas ocupados por homens.

Actualmente não existe qualquer mulher na presidência do PSI-20, e a presença de mulheres em cargos de administração é uma minoria.

É por tudo isto que concordo com o sistema de quotas sempre que me questionam: é o caminho que verdadeiramente possibilita o seu fim.

Olhando para países como a Suécia, onde a igualdade tem sido trabalhada desta forma e é cada vez mais uma não questão graças às metas que o sistema de quotas permitiu alcançar naquele país que se viu assim beneficiado, com estas medidas quer em crescimento económico, quer em taxas de natalidade.

O Fórum Económico Mundial diz-nos que a igualdade de género em termos económicos deverá ser atingida dentro de 170 anos, sendo que o mesmo estudo de 2015 indicava 118 anos.

Segundo o relatório de 2016, as mulheres ganham, em média, pouco mais de metade do que os homens apesar de, em geral, trabalharem mais horas.

Apenas quatro países em todo o mundo têm o mesmo número de homens e mulheres a exercerem a função de deputados, funcionários de alto nível e diretores, apesar de em 95 desses 190 países em estudo terem actualmente tantas mulheres como homens com formação universitária.

O nosso mundo está a automatizar-se diante dos nossos pés. Se através dos media e de tudo o que dispusermos não estimularmos as nossas filhas para áreas como a ciência e a tecnologia, áreas “tipicamente masculinizadas” caminharemos de ano para ano no que concerne a igualdade de género para trás.

O caminho deve começar logo na infância na forma como educamos os nossos filhos, e como a sociedade formata rapazes e raparigas.

Na Suécia, o centro Tappan, em Estocolmo, aposta em brinquedos neutros, feitos em diferentes tipos de materiais para não alimentar estereótipos.

A ideia é libertar as crianças das expectativas e das exigências que a sociedade tem em relação a rapazes por um lado, e em relação a raparigas por outro.

Todas estas questões acompanharam a minha reflexão durante este dia internacional da mulher, de flor em flor que vi ser distribuída, pensei na importância de empoderar a mulher ao meu lado, a colega, a mãe, a mulher durante os 365 dias de cada ano.

Infelizmente, esta frase de Simone de Beauvoir continua a fazer sentido: “O homem é definido como um ser humano, a mulher é definida como fêmea. Quando ela se comporta como um ser humano é acusada de imitar o macho.”.

Só devemos parar de lutar pela igualdade de mulheres e homens no dia em que formos verdadeiramente todos seres humanos, iguais e tão diferentes na nossa complementaridade biológica. Saibamos fazer uso disso em todos os contextos da vida.

Esta autora não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

Mafalda G. Moutinho, fundadora da plataforma Bisturi Cidadania Ativa

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