OPINIÃO: O queijo-suíço da limitação de mandatos

Há milhões de anos atrás, os dinossauros reinaram no planeta até que surgiu um meteorito que os varreu da face da terra. Em 2005, surgiu um “meteorito legal” com o mesmo efeito, mas para outro tipo de dinossauros reinantes: a Lei de Limitação de Mandatos, que tinha por objetivo extinguir os ‘dinossauros’… autárquicos (aqueles autarcas que se perpetuavam no poder por tempo indefinido e, quanto mais tempo ficavam no poder, mais queriam ficar).

Na origem desse “meteorito legal” estiveram objetivos justos (combater a fulanização da política, o caciquismo e o compadrio; garantir equidade na participação política dos cidadãos); dele resultaram algumas vantagens (renovação e rejuvenescimento dos autarcas) e, no campo dos princípios, a lei – ao impor que Presidentes de Junta e de Câmara não podem fazer mais do que três mandatos consecutivos – é bem intencionada.

Infelizmente, as leis rivalizam com o inferno em matéria de boas intenções. Como diz o ditado, “o diabo está nos detalhes”. E os detalhes, neste caso, borram a pintura toda. A Lei de Limitação de Mandatos, que podia ter a força de um meteorito, parece mais um queijo suíço – está cheia de buracos.

Por exemplo, ao abrigo da lei, um Presidente de Câmara pode fazer três mandatos (12 anos) e depois, no quarto mandato consecutivo, concorrer à mesma Câmara, desde que vá como número dois da lista. Outro buraco “legal”: é permitido que, após fazer três mandatos consecutivos como Presidente da Câmara, a mesma pessoa concorra novamente como número um, desde que seja como candidato à Assembleia Municipal do mesmo município. Mas o ridículo não se fica por aqui: a lei permite ainda que alguém faça 12 anos seguidos como Presidente de Câmara e, no quarto mandato, “aterre de paraquedas” num concelho vizinho para ser candidato a essa Câmara próxima. Já para não falar de outro grande vazio, que é a lei centrar-se na figura dos “Presidentes” e deixar de fora outros cargos, como os vereadores.

Ou seja, a lei, no campo dos princípios, quer fechar a porta à manutenção do mesmo político no poder, mas, na prática, escancara-lhe um portão gigantesco por onde continuar a fazer o mesmo.

Por tudo isto e, apesar dos seus efeitos positivos, está mais do que na hora de pôr os pontos nos i’s e acabar com os buracos que ainda existem na lei. Se quisermos ser sérios e vencer efetivamente os males que a lei devia combater, a solução é simples: alguém que exerceu três mandatos executivos consecutivamente não deve poder ser eleito para qualquer cargo em qualquer autarquia durante quatro anos.

Não querer aceitar isto é querer ter a força de um meteorito reduzida à consistência de um queijo-suíço.

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