O “Penso”, um acionador para acessibilidade digital, nasceu no Brasil e agora está em Portugal para dar mais autonomia aos deficientes físicos quando trabalham com o computador. O Jornal Referência conversou com um dos representantes desta inovação em Portugal e co-fundador e responsável pela parte académica da Olivas Acessibilidade Digital, a empresa que produziu o equipamento, Matheus Henrique.
O nascimento do “Penso”
Se Descartes afirmou que “penso, logo existo”, então, este acionador para acessibilidade digital quer ir mais longe. “Não só pensar, mas também poder expressar-se”, afirmou Matheus Henrique.
Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), 10% da população mundial possui algum tipo de deficiência. Em Portugal, de acordo com a Associação Portuguesa dos Deficientes, cerca de um milhão de pessoas tem deficiência e/ou incapacidades várias.
Depois de verificar que as soluções de comunicação para deficientes físicos de baixa mobilidade no Brasil eram caras e pouco ergonómicas, Felipe Bombacini, fundador da startup de tecnologia Olivas Acessibilidade Digital, achou que poderia criar algo diferente, eficaz e económico.
Matheus Henrique é brasileiro e está atualmente no Mestrado em Ciências da Computação, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto. Em Belém do Pará, no Brasil, fundou o Grupo de Estudos em Tecnologia Assistiva (GETA), que elabora “projetos académicos para pessoas com deficiência e idosos” e é, atualmente, parceiro da Olivas.
Matheus conheceu Felipe num congresso em Campinas enquanto apresentava um dos projetos do GETA. A partir daí, os dois começaram a trabalhar em conjunto e na empresa de Felipe e o “Penso” começou, então, a nascer no ano de 2015; é o primeiro produto da Olivas.
Mas, afinal, o que é o “Penso”?
“É um acionador que permite controlar qualquer função de um computador apenas pressionando um balão”, explicou Matheus.
O equipamento divide-se em três partes:
- Bolsa de ar: é através dela que os pacientes exercem o movimento que será usado como acionamento.
- Sensor de pressão: é a componente eletrónica que tem a capacidade de medir a pressão exercida em atuação ou em repouso.
- Dispositivo eletrónico: é o equipamento que possibilita entender as informações do sensor de pressão e tomar as atitudes desejadas, como a calibração. A pressão de repouso é medida e, no momento em que é colocada a pressão de ativação, é possível entender a variação, que irá caracterizar um estímulo de ação, e, a partir disso, disparar sons e interação com o computador para as ações desejadas.
O teclado e o rato do computador podem ser controlados por este sistema e o balão, que pode ficar do tamanho que se quiser, pode ser colocado por baixo da perna, nas articulações ou em qualquer local que a pessoa tenha o mínimo de movimento, ou até mesmo, dentro de brinquedos.
O “Penso” tem uma ligação USB ao computador – aperta-se o balão e ele executa a tarefa (carrega numa tecla, por exemplo). O equipamento tem também uma interface que permite reconhecer todas as vezes que se faz pressão no balão, por isso, pode funcionar tanto no computador, como ligado a uma tomada para quando uma pessoa precisar pedir ajuda, apitando todas as vezes que for pressionado.
Uma das dificuldades deste aparelho consiste na quantidade de vezes que o balão tem de ser pressionado no caso de se querer escrever um texto muito grande. Então, a Olivas fez uma parceria com o comendador de Direito Humanos no Brasil, Cláudio Dusik, que desenvolveu um teclado que tem à volta de cada letra todas as sílabas possíveis. Este sistema reduz em 70% o número de cliques que serão precisos, o que se traduz numa escrita mais rápida – “reduz a um clique uma palavra de três letras”, explicou Matheus.
Divulgação difícil, mas proveitosa
Matheus resolveu atravessar o Atlântico para vir estudar no Porto e, então, aproveitou a “facilidade da língua e a recetividade que os portugueses têm” para também divulgar o “Penso” pelo distrito.
Além disso, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) de 2016, em Portugal, por cada 100 jovens existem 151 pessoas com mais de 65 anos, ou seja, este envelhecimento demográfico – tão característico das terras lusas – foi outra das razões que fez o “Penso” viajar tantos quilómetros.
O processo é “lento”, pois “não abre precedentes para qualquer pessoa financiar” porque “não é algo que, de primeira, chame a atenção das pessoas”, já que não é toda a gente que tem a necessidade, explicou Matheus. Esta falta de procura atira o preço aos céus, mas a necessidade é grande: “a utilidade disso e o valor que uma pessoa com deficiência dá é muito maior do que nós daríamos, com certeza”, sublinhou.
“Nós juntamos essas ideias porque, no fundo, tem um interesse grande de disponibilizar, não meramente pelo lucro, mas sim pela tecnologia que já temos hoje disponível, podermos colocá-la para uso, na mão das pessoas”, acrescentou Matheus. A solução passa, então, por tentar vender a lares de idosos e casas de atendimento para pessoas com deficiência.
Desde a placa aos circuitos, o produto é 100% fabricado no Brasil. Lá, a comercialização já está a ser feita, mas sobre pedido, pelo equivalente a cerca de 100 euros cada dispositivo. É também possível alugar o equipamento, por exemplo, por 10 euros por mês durante quanto tempo a pessoa quiser utilizar.
“Já temos, no Brasil, parceria com associações, inclusive, um lar de idosos, já está disponível em várias franquias em São Paulo, em Campinas e o objetivo agora é fazer o mesmo aqui em Portugal”, explicou Matheus, que afirma que “já está a dar para alcançar esse objetivo”.
Em Portugal, o formato de comercialização não pode ser o mesmo devido aos custos de transporte. No entanto, já há perspetivas de compradores. Matheus começou a divulgar o “Penso” no mês passado, em maio e, até agora, já entrou em contacto com três lares de idosos, no Porto e em Gaia, que se mostraram interessados e, futuramente, vão marcar reuniões.
Próximos “cliques”
“Como o Porto é mais pequeno que o meu estado no Brasil, é tudo muito mais fácil de acontecer, a informação corre mais rápido, então, nada impede que [o “Penso”] cresça por três cidades, isso é mais uma questão de tempo”, afirmou Matheus, que acredita que “tendo um bom modelo” dentro do Porto, “para expandir para o resto de Portugal, é bem mais fácil”.
O “Penso” já vai na segunda versão, a próxima, que Matheus já começou com Felipe, consistirá em colocar bluetooth para telemóveis e tablets e irá funcionar em conjunto com um dos outros projetos do GETA – uma aplicação para alfabetizar crianças com paralisia cerebral, o “Brincando com a Leitura”.
Sendo o GETA parceiro da Olivas, tudo funciona como um “ecossistema de produtos, de projetos, que conversam entre si e funcionam muito bem”, explicou Matheus.
“A facilidade que existe é muito grande mesmo, porque nós já temos toda a tecnologia disponível, já está tudo pronto para adaptar à necessidade de qualquer pessoa”, acredita Matheus.
A Olivas Acessibilidade Digital é uma empresa registada que fabrica e produz produtos para pessoas com necessidades especiais. Vai desde o desenvolvimento, à idealização e à produção do produto até à comercialização. A empresa não funciona diretamente com os alunos, mas acaba por conter muitos projetos académicos, tudo para que “o que for produzido na academia não seja perdido”. Outro dos exemplos de projetos desenvolvidos e que pode, futuramente, estar a ser comercializado pela empresa é o comando de uma casa pelo pensamento ou pelo telemóvel.
O objetivo consiste em que “outras empresas e pessoas da academia, por exemplo, consigam trazer as ideias para dentro da Olivas para colocar em produção, porque ali já tem todos os contactos de quem pode produzir em larga escala e os canais de venda, que são importantes também para disponibilizar”, explicou.
Conheci o Mateus ainda criança e fico feliz que ele esteja crescendo na área de trabalho que tanto gosta. Espero que tudo dê certo, pois sempre está em suas iniciativas algo para ajudar o próximo. Vejo nessa atitude a influência de sua família, que particularmente quero muito bem. Força!!!