Blockchain, bitcoins e criptoeconomia são conceitos que estão cada vez mais a entrar no vocabulário da economia e que se podem tornar numa nova forma de descentralizar a informação. A ShARE Talks do passado dia 22 de novembro dissecou o tema na Faculdade de Engenharia do Porto com dois especialistas.
Criptoeconomia: novas tecnologias, novos conceitos
Blockchain é um “banco de dados que não pertence a ninguém, mas pertence a todo o mundo e é inviolável, então, tudo o que está lá não pode ser editado ou apagado”, clarificou Filipe Boldo, empreendedor fundador da Blockspot Media (empresa que organizou a primeira conferência de Blockchain na Península Ibérica). As bitcoins são um dos exemplos de moedas virtuais, as primeiras criptomoedas descentralizadas que surgiram em 2009, e que são transacionadas numa rede blockchain, garantindo, assim, uma confiança entre as partes.
As criptomoedas – ‘cripto’ porque todo o processo de transação das moedas é criptografado para garantir a segurança dos dados – são o “expoente da tecnologia”, segundo Filipe Boldo, mas “ainda que sejam os maiores representantes do uso do blockchain, são só um dos casos de uso que essa tecnologia pode trazer e que está a proliferar-se pelo mundo”.
Numa blockchain, existem os smart contracts (contratos inteligentes) que significam que o pagamento de um serviço ou produto com as criptomoedas (exceto a bitcoin, que não necessita disso) só é efetuado quando as duas partes confirmam que a transação foi feita. “Essa foi uma forma de nós garantirmos que podemos fazer transações um bocadinho mais complexas”, explicou Luís Roque, co-fundador & CEO da HUUB (empresa tecnológica focada em revolucionar a indústria do Supply-chain – cadeia logística de um determinado produto ou serviço).
Blockchain: uma nova forma de descentralizar a informação
Uma das grandes características desta rede é o facto de não haver nenhuma entidade no meio a regulamentar as transações que são efetuadas, porque, para Luís Roque, geram “burocracia”. O que é necessário é fazer com que exista confiança entre as partes, por exemplo, fazendo com que as “regras sejam todas como nos smart contracts”, porque a “falta de confiança, mais do que atrasar o processo, comporta custos para toda a gente”, afirma.
“Quando falamos de um servidor centralizado, ele é mais suscetível a falhas, de um modo geral”, sublinha Filipe. Com o uso da blockchain, a rede “vai ser tão disponível quanto uma rede centralizada, ou mais, e vai ser criptografada de modo a que só quem tem permissão consegue ter acesso a esses dados”, explica.
“Isto [blockchain] é uma nova internet, ou uma nova vertente de descentralizar”, destacou Luís. O princípio da internet é ser descentralizada, no entanto, “a nível aplicacional, hoje em dia, o que se construiu em cima deste protocolo foi uma concentração de poder, de dados, de informação que está num conjunto muito curto de players“, como a Google e o Facebook – “fala-se muito de shareconomy (economia colaborativa), mas, na verdade, quem leva a maior fatia, no final do dia, são estes players” -, acrescentou.
Então, o que a blockchain pode voltar a trazer é a componente descentralizada, “em que quem é o owner (dono) da sua informação, do conteúdo que gera, do seu carro e do serviço que presta quando transporta alguém é a própria pessoa e, portanto, deixa-se de ter a necessidade de ter uma Uber, um Facebook, uma Google, porque a própria pessoa está a fazer esse trabalho” e a comunidade torna-se, assim, potenciadora de desenvolvimento e de inovação, explicou Luís.
Para o co-fundador & CEO da HUUB, o grande potencial da tecnologia é exatamente “reduzir aquilo que é a permeabilidade deste tipo de monopólios que hoje existem de informação e de serviços específicos, que vão deixar de ter essa capacidade de, no fundo, auferir rendimento a uma coisa que, na verdade, não lhes pertence”.
Adotar novas formas de gerir e transacionar informação
As vantagens de usar esta nova forma de transacionar dinheiro e informações são várias, mas tudo depende da adoção por parte da comunidade e das empresas, uma vez que a “captação de valor não está em quem detém o bem de quem está a prestar o serviço”, ressalvou Luís. “Se pensarmos, a adoção não depende da Google, depende de nós, de empresas começarem a lançar soluções e de nós as adotarmos, porque é daí que vem realmente a massa crítica que vai inverter”, explica.
No entanto, Luís acrescentou que a adoção desta nova tecnologia não implica criar novas criptoeconomias, porque enquadra processos antigos – “enquanto antes tinha uma necessidade de validar, de centralizar, aqui tenho a facilidade de ter a confiança na própria rede”. “Em vez de estar a trocar informação contigo, na verdade, nós temos a mesma informação e temos a confiança que está correta porque é a mesma – se nós estamos a trabalhar sob o mesmo sistema, temos confiança”, explica.
Quanto à regulamentação, que é um aspeto que ainda está a ser trabalhado, Filipe considera que “nem tudo tem que ser regulamentado ou regulado para ser usado”. “Eu dou-te dez euros e tu acreditas nesse dinheiro e tem valor para ti”, exemplifica. Mas Luís acredita que, mais do que a regulamentação, a questão vai ser “tornar isto sustentável porque não é e não vai ser e perceber o impacto e o efeito daqueles projetos que não vão aguentar, se eles vão penalizar demais a confiança, que também é preciso ter em tudo, porque, claramente, é uma inflação”.
A questão da falta de sustentabilidade passa também pela “mineração de moedas”, que significa validar transações, sendo que qualquer um pode fazê-la, no entanto, para ser lucrativa, é necessária energia barata e hardware adequado, porque exige um elevado esforço computacional. Filipe afirma que “com o uso de energia em Portugal, é totalmente inviável fazer uma fazenda de mineração de criptomoedas que seja lucrativa” e, ainda por cima, o mercado está a ser também invadido por grandes mineradores que detêm energia barata e, por isso, tornam-se muito competitivos, o que “faz com que as pessoas comuns tenham, talvez, mais dificuldade em entrar nesse mercado”.
ShARE Talks: partilhar conhecimento
Desde 2008 que a ShARE (Sharing Analisys on Regional Economies) está no Porto. É uma associação sem fins lucrativos a nível mundial composta por jovens estudantes e que pretende a partilha de conhecimento, através de conferências, trabalhos e projetos de estudo, análise e investigação sobre assuntos da atualidade e problemas económicos.
A ShARE UP é composta, atualmente, por 36 membros, todos estudantes da Universidade do Porto, de cursos como: Relações Internacionais, Engenharia Física, Medicina, Economia, Gestão, Engenharia Eletrotécnica e Engenharia Mecânica.
A associação tem dois tipos de atividades: as Talks e as “Perspetivas”, sobre temas como: energia, indústria, global economics, business strategy e ICETI (International Conference on Engineering Technology and Innovation) innovation.
As Talks acontecem uma vez por semestre e tentam desmistificar alguns temas, como foi exemplo a última edição da passada quarta-feira, dia 22 de novembro, na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (FEUP), sobre Blockchain e Bitcoin – “What the fuss?”.
Tiago Leal, estudante do quinto ano de Engenharia Física na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), é o presidente da ShARE UP e afirmou que o tema foi escolhido por estar “muito em tendência” e por, após terem estado presentes na Web Summit, terem considerado que “fazia todo o sentido trazer esta quase novidade de tecnologia, quer à FEUP, quer aos restantes estudantes que puderam comparecer”.
“Demos o nome dos dois [blockchain e bitcoin] para ser mais fácil para as pessoas entenderem como pode haver este casamento, neste caso, entre a tecnologia e a economia”, explicou.
As “Perspetivas” são um tipo de conversa mais informal e a próxima edição acontecerá em finais de março “sobre tecnologia e de que forma pode ser não tão complicada quanto parece”, adiantou o presidente.