OPINIÃO: Destinos Incertos

Há alguns anos a esta parte, estamos a assistir ao deslocamento forçado de pessoas de seus países de origem, motivados por perseguições, guerras e violência. Segundo dados do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados), são cerca de 65 milhões de pessoas.

Deste número alarmante de pessoas que procuram proteção, o ACNUR contabilizou 22,5 milhões, dos quais 17 milhões estão sob a sua responsabilidade, sendo os demais refugiados palestinos que estão registados na Agência das Nações Unidas de Assistência aos refugiados da Palestina.

O maior deslocamento de pessoas tem origem na Síria, devido ao conflito existente neste país, desde 2011, (5,5 milhões), seguido do Sudão do Sul e Afeganistão. Há ainda a considerar os deslocados internos que totalizam cerca de 40 milhões. As situações de maior deslocamento interno, verificam-se na Síria, Iraque e Colômbia, representando quase dois terços dos deslocamentos forçados em todo o mundo.

Cerca de três milhões de pessoas solicitaram refúgio noutros países. O Alto Comissariado da ONU para os Refugiados denunciou que mulheres e crianças são vítimas de abusos sexuais durante a travessia que as levam para os países do norte da Europa. Chegam em botes infláveis, superlotados, sem saberem onde se encontram, sendo muitas vezes resgatados em alto mar.

Muitos destes refugiados, sírios, afegãos, iraquianos e palestinos, que fogem da guerra há muito tempo, passam muitos dias escondidos, sem comida e sem água, à mercê dos traficantes que organizam estas travessias. Chegam aos países que os acolhem apenas com a roupa que trazem vestida, porque lhes foi extorquido tudo o que tinham pelos traficantes.

O número de refugiados é considerado pela ONU o maior desde a Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, cerca de 84% destas pessoas foram acolhidas por países vizinhos aos conflitos e menos desenvolvidos do mundo. Os dez países que receberam os refugiados são: Turquia, Jordânia, Líbano, Paquistão, Etiópia, Irão, Uganda, Quénia, República Democrática do Congo e Chade.

Uma característica a louvar, porque a solidariedade humana faz-se sentir muito mais entre pessoas de baixos rendimentos e que, por isso, têm uma maior abertura devido à empatia que demonstram pelas pessoas em sofrimento. São países com um baixo ou médio rendimento e que, por tal motivo, acolhendo os refugiados, não conseguem proporcionar-lhes as condições ideais de sobrevivência.

Entretanto, há campos com refugiados vindos do Sudão do Sul, no Uganda e Adjumani, onde aqueles passam fome, sede e não têm o que vestir, nem espaço para dormir. Matam pessoas de forma indiscriminada não poupando mulheres, crianças e idosos.

Deveras preocupante é o elevado número de crianças que se deslocam sozinhas por terem perdido os seus familiares e que, por isso, se encontram em situação vulnerável, sendo muitas delas traficadas, violentadas, perdendo laços afetivos e paternais, antes de chegarem a algum país que as acolha.

Os refugiados são pessoas desesperadas, que procuram proteção, mas, por outro lado, são pessoas corajosas, porque deixam para trás tudo o que construíram nas suas vidas, os seus trabalhos, as suas casas, o país onde nasceram, para enfrentarem o desconhecido.

Os campos de refugiados, muitos deles lotados, não têm condições de higiene e saneamento, as pessoas vivem em condições muito más. O que se observa é desolador e desumano. Muita da ajuda humanitária não chega para tanta gente.

No meio disto tudo, gritante é sabermos que muitas destas pessoas são crianças, que vivem em condições miseráveis, privadas de uma infância alegre, com o medo estampado no rosto, e sem poderem ir à escola. Centenas de meninas, nestes campos, são traficadas, violentadas e expostas à promiscuidade que é comum neste tipo de situações. Uma quarta parte dos solicitantes a asilo que chegaram à Europa, 100 mil são crianças com menos de 12 anos.

Entretanto, dezenas de ONG (Organizações Não Governamentais) endereçaram uma carta às Nações Unidas, exigindo que a Declaração de Nova Iorque, consagrasse o direito de cada refugiado a uma solução para o seu problema, para que este se sentisse em segurança, bem-vindo e em casa e com acesso aos mesmos direitos que todos os outros.

É necessário que todos os países da Europa, bem como EUA, Austrália e Canadá, em vez de restringirem a entrada aos refugiados, criem modelos inovadores e sustentáveis de assistência àqueles.

Ver num refugiado uma pessoa com potenciais para o desenvolvimento comunitário e não apenas como um problema humanitário é uma excelente opção, porque são pessoas com talentos, habilidades, muitas formadas superiormente – como médicos, advogados, empresários -, que quando chegam até nós, com os seus conhecimentos e se os integrarmos na nossa sociedade, ficaremos todos a ganhar – ou seja, refugiados, países anfitriões e doadores – até que eles possam regressar ao seu país de origem.

É verdade que estamos a viver tempos menos fáceis, muitos de nós não têm emprego e os salários poderiam ser melhores. Contudo, se tivermos a capacidade de nos colocarmos na pele de um refugiado e se virmos nas crianças que estão na mesma situação, os nossos filhos, na minha opinião, seríamos, com toda a certeza, impelidos a fazer mais e melhor para evitarmos a todo o custo o sofrimento de todas estas pessoas que fogem da guerra, da fome e da miséria que aquela arrasta consigo.

É preciso potenciar o sentimento de necessidade de solidariedade, humanidade, e voltarmo-nos para os que precisam de ajuda e fazermos acontecer, por isso, é urgente passarmos à ação. Hoje seremos nós a ajudar, mas amanhã poderemos ser nós a precisarmos de ajuda.

Como dizia José Saramago, em Estocolmo, na hora do Nobel: “Usamos perversamente a razão quando humilhámos a vida, que a dignidade do ser humano é todos os dias insultada pelos poderosos do nosso mundo, que a mentira universal tomou o lugar das verdades plurais, que o homem deixou de respeitar-se a si mesmo quando perdeu o respeito que devia ao seu semelhante”.

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