Tomás Magalhães, licenciado em Física Aplicada pela Universidade do Porto, saiu de casa em setembro de 2016 com o objetivo de passar seis meses na Índia e outros seis na Austrália.
Um dia, em Calcutá, uma família que vivia na rua procurou-o para pedir ajuda. “Precisavam de plástico”. E foi assim que tudo mudou. Tomás percebeu que um simples plástico podia salvar vidas na época das monções. Foi a partir desse momento que o “Kolkata Monsoon Relief” começou a ser pensado.
Agora, a equipa do projeto recebe donativos de todo o mundo, compra o material e entrega um kit a cada família sem-abrigo. Kit constituído por uma rede mosquiteira, um plástico e um livro de 16 páginas plastificadas com um pouco de inglês básico, matemática elementar e bengali.
Até agora, duas mil famílias foram ajudadas. O projeto, a solidariedade nos dias de hoje e o altruísmo eficaz foram os principais temas abordados por Tomás.
Numa entrevista acompanhada por sonoridades da cítara indiana, a ideologia do “pouco que pode ajudar muito” prevaleceu.
“Precisava de um plástico”. Foi assim, com um simples pedido de ajuda que tudo começou?
Tive a ideia de criar uma plataforma online de ajuda, que funcionaria da seguinte forma: tu irias para um país do terceiro mundo e descobririas situações de pessoas que precisavam da tua ajuda e reportá-las-ias.
A ideia seria desenvolver uma plataforma em que podias fazer um vídeo em direto para os teus seguidores, para que eles pudessem ver a situação no momento. Por exemplo, as pessoas seguiam-me e ver-me-iam com um senhor que é sapateiro, que lhe roubaram o material todo, e custa 100 euros ajudá-lo a comprar o material novamente, sendo que isto é o único sustento da família deles. Isto dá um caráter mais real e emocional.
Quando fui para a Índia, nos primeiros seis meses da minha viagem, pensei: “Vou fazer voluntariado em instituições grandes e pequenas para ver onde é que as minhas ideias encaixam”. Seguidamente, fui para a Austrália e, ao fim de quatro meses e meio, voltei para Calcutá. A ideia era estar um mês e meio a aprender cítara e fazer mais voluntariado na organização “Madre Teresa de Calcutá”.
Eu conheci uma família que vivia na rua onde ficavam alojados os voluntários e os turistas e eles pediram-me um plástico, porque no Natal não há chuva, mas em julho chovia imenso, devido a um fenómeno denominado monções. Vi que a barraca deles estava cheia de buracos e perguntei-lhes quanto é que custava o arranjo. Fui com o Aladdin, que era um amigo meu de lá, investigar os preços e dei o plástico a essa família.
No entanto, eles disseram-me que aquele não era o plástico mais adequado. Intuitivamente, eu perguntei-lhes que mais é que eles precisavam. O Aladdin teve a ideia de dar um livro pequenino, pois é importante para as crianças que não sabem ler nem escrever terem essa oportunidade. O próprio Aladdin não sabe nem escrever nem ler.
Então, comprei 25 kits com o meu dinheiro, por sensivelmente 120 euros, e comecei a filmar e fotografar para depois poder pedir ajuda às pessoas. Compilei um vídeo na página de Facebook e as respostas foram imensas.
Num período de três semanas, fui contactado pela Renascença, estive em direto na SIC Notícias. Foi uma ascensão e explosão do projeto incrível! Só nesse período tivemos mais de cinco mil euros em donativos!
A filantropia é conduzida pela emoção. Foi isso que o motivou a ligar-se aos mais fracos?
Foi pelas duas coisas. Pela eficiência, pela importância e pela tentativa de acrescentar à emoção o altruísmo eficaz. Doar para onde não tens mais retorno emocional, mas sim para onde vai ter maior impacto. Não é para qualquer um fazer um misto das duas coisas, daí a partilha das fotografias, para eu mostrar às pessoas: “Foi esta a família que tu ajudaste” e tornar real e próxima do dador a sua intervenção, a sua ajuda.
“Doar para onde não tens mais retorno emocional, mas sim para onde vai ter maior impacto.”
Aladdin é o seu companheiro nesta missão solidária em Calcutá. Como surgiu esta cooperação entre os dois?
Surgiu na véspera de Natal de 2016, na primeira vez que estive em Calcutá. Estava com uns voluntários, perto de 20. Com americanos, mexicanos, entre outros. Já tínhamos ido à missa do Galo e depois saímos todos para ir beber umas cervejas. Sentámo-nos na rua e, como eles sabiam que eu tocava guitarra, pediram-me que a trouxesse.
Comecei a tocar e a cantar e as pessoas começaram a juntar-se. De repente, estávamos 20 voluntários e 20 indianos, que tinham trazido os seus instrumentos. Um deles, a certa altura, começou a fazer barulhos do género do Pato Donald e eu comecei-me a rir e tentei responder do mesmo modo (risos). Foi uma brincadeira, mas eu não me esqueci da cara dele.
Uns dias depois, estava a andar na rua e ouvi os barulhos novamente e percebi que era ele. Nesse momento, ele disse que estava um pouco doente e que não andava a dormir bem. Foi aí que o conheci verdadeiramente. Ele dormia debaixo da autoestrada e estava com bastante febre.
Automaticamente, disse-lhe para ele vir comigo almoçar para ele comer uma sopa e para lhe dar medicamentos. A partir daí, tornámo-nos mais amigos.
A partir daí ele passou a ajudá-lo no projeto?
Sim, ele levava-me a todo o lado e tirava dúvidas com ele, do género: “Eles precisam mesmo disso ou estão a enganar-me?”. É bom ter uma pessoa que viveu na rua, nesse sentido, pois está por dentro dessa realidade.
Disse que começou a sua aventura no voluntariado na “Madre Teresa de Calcutá”. A instituição está ligada à religião. Foi também a partir daí, da religiosidade, que despoletou a sua vontade de ajudar o outro?
É difícil responder. É impossível poderes distinguir o que é que na tua personalidade veio da cultura do teu país, dos teus pais, da televisão… Há muita gente que cresceu em países cristãos e que tem valores cristãos, mas que talvez te diriam que a razão pela qual fazem voluntariado nada tem a ver com a religião.
Contudo, a verdade é que eu acho que não dá para separar religião e cultura. Basta vermos os ditados populares, a música… Em Portugal, somos muito católicos e a vontade de fazer o bem, hoje em dia, não vem muito por aí.
Mas como é que escolheu aquela organização?
Provavelmente, porque é a altruísta mais famosa do mundo e a sua história é incrível.
Acho que independentemente de Jesus Cristo ser real ou não, ela, para mim, é das poucas pessoas que efetivamente põe em prática a mensagem do Novo Testamento: humildade, amor para com todos, sacrifício. Há poucas pessoas assim.
“Era pedir pouco para fazer muito.”
Esperava uma adesão tão positiva por parte das pessoas?
Se vocês virem o vídeo original, eu, no final, digo “vamos ajudar centenas de pessoas”. Eu nunca pensei que pudesse chegar aos milhares, pensei que poderia receber mil euros de donativos, o que já seria incrível, mas nunca pensei que depois atingisse as proporções que atingiu.
Portanto, acho que nada consegue responder melhor à pergunta como a minha surpresa e admiração daquilo que a “Kolkata Monsoon Relief” se tornou.
E quais as precauções que se devem tomar num projeto que lida com uma linha ténue entre a vida e a morte?
Se calhar, não sou a melhor pessoa para responder a isso, sou um bocado inconsciente (risos).
Acho que apanhei sarna dos sem-abrigo, uma tosse que perdurava por mais de um mês, provavelmente, das pessoas que vivem na rua também… Tinha umas comichões muito estranhas… Mas acho que faz parte, estou aqui hoje saudável.
É preciso não exagerar e ter cuidado! Nós vamos à noite, porque, se fores de dia, há milhares de pessoas que se vão aproveitar daquilo que estás a distribuir. Mas também pode ser mais perigoso. Uma vez, fomos com uma rapariga e eles adoram ocidentais, então olhavam bastante. De noite, apareceram uns homens um pouco bêbados que fizeram círculos à nossa volta e ela começou a ficar cheia de medo.
Também precisas de ir com pessoas que saibam bem o que é aquela realidade, como o Aladdin, que podem avisar-te se determinadas situações são ou não perigosas. Acaba por ser até mais seguro que na América Latina, onde são diárias as situações efetivamente perigosas. Se há uma mensagem que posso passar é que a Índia é muito menos perigosa do que as pessoas pensam.
Nunca pensou que este projeto era demasiado ambicioso?
Não, porque era pedir pouco para fazer muito. Com quatro euros ajudávamos uma família durante dois ou três anos, dependendo do uso que lhe dávamos. Mesmo que eu só tivesse angariado 400 euros, poderíamos ajudar 100 famílias, o que é incrível.
No fundo, sentir que era missão cumprida.
Acha que é apenas uma “gota no meio do oceano”?
Sim, mas tudo o é (risos). Cada vida é insignificante. Basta termos uma noção visual da linha temporal desde que a nossa espécie existe. O pouco tempo que cá estamos não te vai distinguir de mais triliões de pessoas que já nasceram, viveram e morreram. Mesmo uma vida de alguém que nós achamos que é importante e que o impacto é diferente, na generalidade, não o é. Por isso, cabe-nos valorizarmos cada vida na sua essência e tentar melhorá-la na sua estadia no mundo terrestre.
Por cada pessoa e cada momento serem únicos, tudo está carregado da maior importância do mundo. A beleza da vida é essa, cada momento tem simultaneamente uma insignificância ridícula e está carregada com a maior importância possível.
Eu acho que o meu projeto é assim, quando ajudamos alguém é a coisa mais importante na vida daquela pessoa.
Acha que o mundo prefere ignorar ou desconhecer as desigualdades existentes para nem sequer ter de pensar no assunto?
Sim. Se tu viveres sempre a sentires-te culpado com teres muito e os outros nada, também não vais ser propriamente feliz. Mas ignorar isso totalmente é uma ilusão, estás a fingir que isso não existe. No entanto, tu nunca ignoras completamente as situações, porque algumas delas intuitivamente vêm ter contigo.
Para mim, existem quatro níveis de aprendizagem e por dois deles toda a gente tem quase 100 por cento de probabilidade de passar por eles. O primeiro nível de aprendizagem consiste em dizerem-te que isso se passa. O segundo, veres o que acontece (na televisão, por exemplo). O terceiro, estares lá com as pessoas, o que é completamente diferente porque vives a realidade. O último e o mais forte emocionalmente: seres tu próprio a passar por aquilo.
“Eles olhavam para nós como se fossemos anjos, com olhares grandes e sorrisos preenchidos.”
Houve uma altura em que, antes de começar o projeto, queria experimentar viver nas ruas da Índia. A minha ideia seria apenas levar um saco de plástico com com um lápis, um bloco de notas e uma escova de dentes. Depois viveria com um amigo como o Aladdin, mas o resto seria semelhante aos do sem-abrigo. Só que depois comecei a ajudar aquela família e senti que essa ideia já não era necessária.
É importante que as pessoas tenham consciência do que é isto do viver na rua?
Claro. Há uma ilusão que as pessoas têm que é a de que não podem ajudar porque não têm muito dinheiro.
Vemos os jogadores de futebol, vemos casas melhores do que as nossas e achamos que estamos na pobreza. Mas a maior parte das pessoas que nós conhecemos vivem nessa ilusão. Se ganhares mais de 700 euros limpos por mês já te encontras no um por cento das pessoas mais ricas do mundo e a maior parte das pessoas não o sabem. Pensam que estão no meio da tabela, existem 50 por cento mais ricos e outra metade da população mais pobre. Mal eles sabem que são o um por cento mais sortudo a nível mundial.
Cada vez mais observamos instituições de solidariedade e de voluntariado. Não sente que, por vezes, o querer ajudar é apenas pretexto para se ser bem visto pela sociedade e não propriamente pela bondade?
As pessoas partilharem publicamente o que fazem pode criar uma imagem mais convencida. Há também um ensinamento bíblico de que não se deve partilhar as coisas boas que fazemos.
No entanto, eu acho que cada um sabe, no seu íntimo, as intenções que tem. Mas não há motivos, a não ser os bons, para não o fazer, porque tu podes estar a influenciar as outras pessoas a fazerem o mesmo e se tu estiveres confortável a fazer isso, não deves ter receio de o partilhar.
No meu caso, eu fico contente em fazer isto, também gosto de ter “likes”, de ter entrevistas nos jornais, mas eu sei quanto disso é que está ou não está nas minhas motivações. Tenho o meu equilíbrio de altruísmo e egoísmo como qualquer um e estou confortável com ele. Não perco nenhum tempo a pensar se os outros acham que sou ou não convencido. Isso, ao lado do impacto positivo, é uma não conversa.
O altruísmo eficaz é uma combinação de coração e cabeça. É disso que estamos a falar?
Falar de altruísmo eficaz é falar da definição também do meu projeto. Se me perguntares a definição de altruísmo, diria que é um conceito que só existe em harmonia com o egoísmo. Quando digo o egoísmo não é no sentido do dia-a-dia da palavra, é no sentido filosófico. Quando fazes alguma coisa que te dá prazer, é egoísmo. Comer é egoísta, assim como ir dar um mergulho no mar. São coisas que tu fazes para ti.
O altruísmo e o egoísmo só existem com esta relação, como o quente e o frio, a luz e o escuro, dependem um do outro para existirem e não faz sentido separá-los.
E de que forma as famílias demonstram a “mão ajuda” que recebem?
Muito pouca gente agradecia de forma explícita. Acenavam com a cabeça e um sorriso, outros estavam a dormir (risos). Às vezes, quando tínhamos de os acordar, dizíamos “Olá” e víamos o olhar meio perdido e despenteado deles. Eles olhavam para nós como se fossemos anjos, com olhares grandes e sorrisos preenchidos. Bastava-me isso para me encher o coração.
Então, o sentimento de dever cumprido já consta no seu dicionário?
Não, ainda não… Eu gostava que, para o resto da minha vida, houvesse sempre um mês ou dois disto. Agora estou a escrever um livro de ficção em inglês, então, agora, a minha vida é empreendedorismo, as minhas coisas pessoais, a cítara e Calcutá.
Sinto-me realizado, se pudesse mantinha assim a minha vida. Se um mês dos doze fosse sempre assim, então, seria ótimo e o meu trabalho estaria feito.
“O altruísmo e o egoísmo só existem com esta relação, como o quente e o frio, a luz e o escuro.”
Nunca se questionou durante a sua experiência, tanto na Austrália, como em Calcutá, do porquê de algumas pessoas serem felizes com tão pouco e outras com tanto não darem o devido valor às coisas?
Não é novidade nenhuma que a felicidade e o dinheiro não estão interligados. Aliás, estão ligados até um certo patamar. Imaginemos que alguém não tem dinheiro para comer nem beber. Seguidamente, se esse alguém arranjar dinheiro para comer e beber vai sentir-se mais feliz.
Continuando o raciocínio, agora, ele já tem dinheiro para comer e beber, mas ainda não tem um sítio para dormir e depois dão-lhe dinheiro para isso. Aí, claro que a sua felicidade aumenta mais um pouco. Mas, a partir do momento que tem comida, água, teto e cuidados mínimos de saúde garantidos, ou algum dinheiro à parte para recorrer a cuidados médicos, o gráfico “dinheiro em proporção felicidade” não vai aumentar exponencialmente como se pensa, mas sim manter-se mais constante. Porque, a partir daí, a felicidade começa a depender de outras coisas, sobretudo da visão que temos sobre a nossa própria vida.
Ou seja, tu podes sempre pensar que podias ter mais, ou podes pensar em tudo o que tu tens. Eu já pensei muito sobre essas coisas e cheguei à conclusão que conhecendo tanta gente que não tem nada, que são as pessoas mais pobres das pessoas mais pobres do mundo, elas riem-se e são felizes. Isto fez-me começar a pensar sobre isso.
Como é que é possível todos os dias eles terem de procurar comida para os filhos, não terem carro, não terem nada e serem mesmo tranquilos e felizes?! E, no fim de tudo, eu apercebi-me que a grande diferença é a quantidade de azar necessária para despoletar um caminho para a desgraça. Isso sim, é triste.
Vamos supor que tens uma família com um pai, uma mãe e três filhos e vivem na rua. Basta o pai, tropeçar numa linha de comboio e torcer o pé e já não conseguir puxar o riquexó (veículo de duas rodas para uma ou duas pessoas, puxado por uma pessoa a pé ou de bicicleta, frequentemente usado em cidades do Oriente) e não conseguir ganhar dinheiro que, se calhar, aquela família toda vai sofrer imenso, vai acabar por ficar doente e morrer.
No entanto, para mim, a quantidade de azar necessária para me levar à desgraça e morrer tinha que ser muito maior. Então, a conclusão a que eu cheguei foi essa: o tamanho do azar para as coisas realmente correrem mal é que é a grande diferença! Porque, no fim de contas, não correndo nada mal, se for preciso, eles são muito mais felizes.
E não sente que tem o dever de “amar pelos dois” quando tem pessoas à sua frente que não têm qualquer esperança na vida?
Isso é um problema macroeconómico muito complexo. Claro que eu penso no futuro deles, mas quando eu estou a fazer estas distribuições, não estou a refletir sobre macroeconomia. Estou a pensar que a família que eu estou a ajudar naquele momento vai ter um bocadinho de melhores condições e menor probabilidade de apanhar doenças transmitidas por mosquitos nos próximos anos. O problema do futuro deles é um problema mais importante, porque, se realmente olhar para isso como algumas pessoas olham com o objetivo de acabar com os sem-abrigo e resultar numa mudança muito maior, nunca teria tido coragem de me levantar do sofá e agir.
No entanto, acho que se deve atuar em todas as escalas, porque senão acaba por ser muito frio. Exemplificando, quando vês algum sem-abrigo a pedir dinheiro na rua e passa alguém e não dá o donativo e justifica-se que não o faz porque a responsabilidade de eles estarem na rua é do governo, de certo modo, essa pessoa está certa, mas o sofrimento daquela pessoa, naquele momento, é real. Ou seja, tu dares uma sopa àquela pessoa vai fazer a diferença! Adicionalmente, tu podes dar a sopa e, em simultâneo, depois participares num grupo de voluntariado que está a tentar resolver os problemas de forma mais macro, mais do “Take a Big Picture”.
Por isso, eu acho que o argumento de que ajudas, mas não vais acabar com o problema é metaforicamente como apanhares uma constipação. As pessoas dizem-te para não tomares Brufen, nem Ben-u-ron, porque a virose, um dia, vai passar, o teu corpo vai recuperar. No entanto, tu pensas: “Não, eu agora não quero sentir isto, agora não quero sentir mau estar”. É tão simples quanto isto e é por este motivo que eu acho que se tem de olhar para os dois níveis, o mais próximo e o global.
“A grande diferença é a quantidade de azar necessária para despoletar um caminho para a desgraça.”
É satisfatório este retorno emocional que está incutido no ajudar em si?
Há vários momentos de retorno emocional. O primeiro, quando recebo um donativo, isso significa que é mais uma pessoa que confia, mais uma pessoa que quer ajudar, mais uma pessoa que se interessa por estas coisas. Depois, é um momento da entrega. E não vou mentir: quando estás perante uma fila de 200 pessoas à espera do kit, não tens libertação de dopamina nas 200 pessoas, não estás com todas elas a sentir prazer no ato de dar propriamente dito.
Mas, quando chegas a casa às 3 horas da manhã e pensas: “O que é que foi isto?”, aí cais em ti e sentes o quão reconfortante e extraordinário é o dares sem esperares nada em troca. Por fim, são as mensagens de pessoas completamente desconhecidas, mensagens lindas que me inspiram e percebo a quantidade de diversidade de pessoas a que o projeto consegue chegar, desde um pré-adolescente a uma velhinha no centro do Alentejo. Adicionalmente, sinto prazer ao ver as reações das pessoas quando veem as fotografias e vídeos postados nas redes sociais.
O futuro do projeto é ainda incerto ou tem linha traçada?
Voltar para Calcutá este verão, alugar um apartamento T5 de base para o projeto e para albergar os voluntários.
Este ano, vai ser um projeto diferente e inovador, no sentido em que vai ser também uma residência artística para os voluntários. Ou seja, eu quero receber candidaturas de pessoas que queiram esculpir, fotografar, pintar em Calcutá e os seus trabalhos resultantes serem uma forma de eu também angariar mais fundos. Isto é, mais tarde, fazer uma exposição em Calcutá, no Porto e em Lisboa conjugando o que foi desenvolvido na Índia.
O objetivo é angariarmos fundos para investir no projeto no ano seguinte. Esta ideia também surgiu, porque apercebi-me que todos os voluntários estavam ligados também a uma parte artística como eu.
Aliado ao voluntariado eu fui para a Índia aprender a tocar cítara. Além disso, que eu conheça, ainda não existe nenhuma instituição no mundo que conjugue as duas coisas: o dar e a arte.