Diz a sabedoria popular que existem duas coisas certas na vida: a morte e os impostos. Eu atrevo-me a acrescentar uma terceira: a falta de vergonha de determinados políticos portugueses.
Com a imagem de crianças com cancro a serem (des)tratadas no corredor dos hospitais públicos ainda fresca na memória de todos nós, veio a público mais uma ‘burlice’ parlamentar, através da qual deputados das ilhas têm andado a receber em duplicado o valor das suas viagens para Lisboa.
Este esquema manhoso, que tem tanto de simples como de vergonhoso, passa-se da seguinte forma: os digníssimos deputados das ilhas recebem um subsídio para cobrir as despesas com os voos que fazem de e para o continente. No entanto, por habitarem nas ilhas, podem pedir a devolução do dinheiro que gastaram com as viagens. Ou seja: recebem um subsídio para uma despesa que, em rigor, lhes é devolvida. Mas eles não têm que devolver o subsídio que recebem.
Conclusão: o dinheiro do subsídio fica-lhes no bolso. Bem vista a situação, esse dinheiro, que serviria para suportar as deslocações dos deputados, não passa de (mais) um salário encapotado.
Dir-se-á, no limite, que, porventura, alguns deputados não tivessem noção do que estava acontecer. Ou que tudo foi feito no âmbito da lei.
Quanto à primeira desculpa, ela não serve. Se não tinham noção – algo que é, no mínimo, difícil de engolir – tinham a obrigação de ter.
Quanto à segunda hipótese, além de ser discutível que tudo foi feito no escopo da lei – uma discussão que ficará para outra altura – não restam dúvidas que, no plano moral, a situação é absolutamente reprovável.
Por outro lado, haverá também quem diga que se trata de um caso sem exemplo.
Mas não, também isso não é verdade. Dispenso-me de elencar todos esquemas felicianos, cesarianos e demais que brotam da Assembleia como ervas daninhas em dia de chuva.
Esta é apenas (e como se fosse pouco!) a mais recente polémica de uma série de mini-escândalos, “maroscas”, trapaças e logros, que vão, a pouco e pouco, dando sérias machadadas na credibilidade do nosso (já débil) sistema democrático.
E de machadada em machadada, vamos caminhando alegremente até à machadada final.
Este exemplo, de muitos quantos poderiam caber nestas linhas, apenas vem reforçar o óbvio: que tão importante como ter mais políticas sérias para as pessoas, é ter mais pessoas sérias na Política.
Bem sei que a ética, a exigência e a honestidade são hoje vistos como valores em saldo, mas a última coisa que podemos admitir é que quem nos representa enfie a integridade na gaveta para meter uns trocos no bolso.