Entrou esta semana em vigor o novo regime jurídico do maior acompanhado, que substitui as tradicionais figuras da interdição e inabilitação no âmbito das incapacidades jurídicas.
Dada a pertinência do tema, preocupa-me aqui não as questões processuais ou substantivas, mas a ratio legis subjacente a este novo diploma.
Primeiramente, houve uma evolução na compreensão daquilo que é a deficiência.
Em lugar de se sublinhar a incapacidade, no sentido físico/biológico, procura-se alertar que muitas das consequências negativas das ditas deficiências têm causas sociais e culturais.
Uma debilidade no sistema biológico ou psíquico efetivamente limita a pessoa, mas o estigma é gerado pela própria sociedade.
Neste âmbito, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência sublinha que a compreensão da deficiência deve “arrancar não da incapacidade, mas do reforço da autonomia”.
Ora, os conceitos que tínhamos aludiam especificamente à restrição da liberdade, tendo-se entendido por conveniente a adoção de um regime de promoção da autonomia da pessoa, e não de a limitar.
Em segundo lugar, verifica-se um envelhecimento da sociedade e a inexistência de resposta às necessidades de amparo das pessoas idosas.
Uma sociedade envelhecida é uma sociedade com mais doenças, e por sua vez, uma sociedade com mais incapazes.
Há uma degradação progressiva das capacidades da pessoa e não existia nenhuma figura do direito civil apta a enquadrar esta situação.
Hoje em dia, desde a perda da capacidade até à morte podem passar 20 ou 30 anos em que uma pessoa está bem do ponto de vista físico, mas não psíquico.
Por fim, aproveitou-se ainda para fazer alterações meramente conotativas através da introdução de termos valorativos.
A preocupação central desta mudança não foi tanto alterar a própria regulação, mas sim o seu significado simbólico, uma vez que isto determina o maior ou menor sucesso do instituto.
Interdição e inabilitação são termos com caráter negativo e apassivante do sujeito, pretendendo limitá-lo. Ora, a novidade consiste na opção pelo termo “acompanhamento do maior”, cuja lógica é muito distinta: aponta para acompanhar a ação.
Neste intencional jogo de linguagem, recorre-se frequentemente ao uso do termo “beneficia”: um verbo que de neutral tem muito pouco.
Nesse sentido, será que o direito acode, ajuda ou favorece? A pessoa pode não querer submeter-se a este regime, mas como pode rejeitar algo que a beneficia?
Face às razões apresentadas, as anteriores soluções que o direito nos dava tornaram-se simplesmente redutoras.
É com bons olhos que acompanhamos esta gigante mudança de paradigma.