Nas últimas semanas não tenho conseguido respirar. Tudo tem sido uma prótese extensa das minhas responsabilidades. Ora tenho de acabar um trabalho académico, ora ler um novo tratado filosófico (ou mais cansativo ainda – reler). No meio disto tudo não consigo arranjar tempo para escrever. E mesmo agora estou a escrever porque estou dentro do autocarro, a regressar a Viana do Castelo, vindo de Coimbra.
Os poucos prazeres que me têm libertado das amarras da vida têm sido os poucos jantares fora que vou tendo e os livros que vou comprando, lendo fugazmente. Nas duas últimas semanas comprei António José Forte (com prefácio de Herberto Helder, o melhor poeta que alguma vez li), Hélder Moura Pereira, Carlos de Oliveira e ainda Manuel de Freitas.
Todos eles poesia, mas poesia tão diferente entre si. Sempre que posso vou lendo versos soltos, poemas dispersos, por vezes a pé enquanto mexo o arroz para não se agarrar ao tacho, ora sentado num banco público enquanto a Rita vê roupa no centro comercial.
Todos os poucos momentos têm sido para a poesia e há em cada um dos poetas que comprei um jeito muito particular de me relembrar de um passado que fui, em pequenas brechas e entrelinhas silenciosas.
É por aí que me dá tanto prazer ler poesia, na ausência do que foi dito. Quando Deleuze explicou em “Imagem-Movimento” a importância do que não aparece no plano (no ecrã do cinema) compreendi que na poesia é aí que me encontro a mim.
Entre um verso e o outro tenho um “plano” que me é dado pelo poeta, a par da minha imagem imaginativa e consigo encontrar mais do que apenas o cigarro ou copo de vinho que lá está. Consigo ver-me a mim, dentro daquele café, no outro lado da sala, na minha mesa, a escrever o meu próprio poema, numa linha temporal distante.
Mas isto tudo somente acontece quando me sobra algum tempo. Assim que possível prossigo nas crónicas, até lá lavem as mãos e a consciência da xenofobia.
Este autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.