OPINIÃO: Velhos vícios, novos preços

Márcio Luís Lima, 22 anos, Estudante de mestrado em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Crónicas Avulso

Mundial de 2006 – realizou-se na Alemanha, representada pela seleção que disputou com Portugal o terceiro lugar (e venceu). Na altura era eu ainda um miúdo prestes a fazer oito anos. Pouco percebia de futebol (e talvez ainda hoje pouco perceba, mas quero acreditar que compreendo um pedaço maior relativamente ao passado e aos quinze anos que nos separa). Uma das coisas que une este dois tempos, para mim face ao mundo do futebol – Panini – isto é, a famosa coleção de cromos. Desta vez não é um Mundial, mas o Europeu 2020 (que não se realizou em 2020).

Ora, uma diferença gigante está no preço das saquetas. Em 2006, como podem imaginar, não tinha propriamente “o peso do dinheiro” mas creio ter uma vaga noção que não excediam os cinquenta cêntimos por saqueta com cinco cromos. Atualmente, cada saqueta porta o mesmo número de cromos, mas o dobro do preço: um euro por cinco cromos. Vinte cêntimos por cromo, que numa coleção de 678 cromos dá um total de 135,60€ se tivermos a sorte de não sair nenhum repetido.

No primeiro dia abri vinte e duas saquetas e tive a grande sorte de apenas ver nove repetidos. Para além disso enchi-me de uma felicidade infantil que não sentia desde 2006. O simples ato de rasgar o papel que envolve os cromos, o descolar o autocolante pelo canto superior direito, colar fora do quadrado (porque dá uma determinada atitude à coleção, e também uma certa nostalgia), tudo isso me fez volver anos no passado. Apercebi-me com isto das “passagens de felicidade” que existiram ao longo das demais gerações: passamos da valorização de bens espirituais (imateriais) para a valorização dos bens materiais, tornando a sociedade “consumista”; com o avanço tecnológico passamos da valorização bens materiais para os bens “virtuais”, desde o reconhecimento social, a fama frágil, etc.; atualmente parece-me que os bens materiais se tornaram um mediador entre os bens espirituais e os bens virtuais, como uma “batalha” entre o analógico e digital.

Com a aquisição da (viciante) caderneta pude relembrar o “outro lado” da cerca, o tal lado analógico da felicidade, ainda que por vezes tenha um preço material caro (como por exemplo livros, vinis, e neste caso cromos). Convém que não percamos as lembranças e aquilo que nos traz “à terra”.

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