OPINIÃO: Ter a certeza indesejável de que 2024 será uma porcaria ft. Tarot e chavascal multigeracional

Desinteresso-me até certo ponto

Se pensarem bem, aquilo que é vulgar e desinteressante pode suscitar curiosidade.

– “Uau!” – exclamam vocês impressionados com a genialidade.

Todos rimos muito, antes de alguém me acertar com um pau de marmeleiro nas costas.

Volvida a azáfama causada pelas duas épocas festivas, urge respirar um bocadinho. Se possível, respirar o ar que não está confinado ao interior de um centro comercial. A amálgama de odores proveniente de um shopping (restauração, lojas, pessoas, produtos de limpeza dispostos nos carrinhos utilizados por quem está encarregue da tarefa, etc.) instiga a um definhamento – a princípio ténue – e resulta numa sensação semelhante à que nos envolve quando chutamos heroína a uma terça-feira à tarde, enquanto assistimos à gravação do “Big Brother” do dia anterior. Por essa razão, aplaudo a coragem de quem frequenta espaços como o referido – ou símile – imediatamente após a entrada do novo ano.

Apesar de janeiro ainda não ter findado, eleva-se uma certeza na minha (pro)funda frivolidade: 2024 tem tudo para ser um ano péssimo relativamente ao que irá acontecer. Na transposição de 2023 para 2024, olvidei de enumerar e invocar sem emitir som os desejos para o ano vindouro. Em conversa posterior com elementos cujo nome não revelarei, de cabisbaixo, expus a minha consternação pelo impensado esquecimento. A perceção do falhanço subjugou-me de imediato. Contudo, surpreendentemente, a confissão emudeceu a mesa e tomou conta dela um corridinho com o verso “eu também me esqueci”. O alívio refrescou a minha tarde, porque os meus amigos rebolaram comigo na lama, mesmo sem o saber. Telepatia? Milagre? Conhecimento visceral do outro? Tirem as conclusões que acharem plausíveis.

O respeito que sinto pelo tarot, pela astrologia, pela Maya e pelo bruxo de Fafe é inabalável. Ainda não experimentei os três últimos serviços. Contudo, com o tarot, trilhei caminhos que nunca descobriria se estivesse diante de um psiquiatra. A experiência foi tão enriquecedora que eu passei a servir o tarot como forma de retribuição. Quem ajuda, merece ser ajudado duas vezes. Entre muitas outras aprendizagens, o tarot ensinou-me a ajudar. Por isso, um dos meus desejos de Ano Novo passava por viver em função do tarot e servi-lo sempre que me fosse solicitada ajuda: tento que a preparação dos caldos para o tarot seja variada, assim como os elementos que o acompanham. Uma vez fiz tarot espiritual, mas não correu nada bem. Agora tenho feito, vamos lá ver, punhetas com ele.

A ousadia que me caracteriza não é suficiente para encarar 2024 com esperança e com substantivos que transpirem otimismo. Esperei este ano com todas as minhas forças durante meses e meses para nada. Desde julho passado, sensivelmente. Nem me lembrei das 12 passas, nem da taça de champagne. Malhei no vinho tinto desde o fim da tarde e aí permaneci, porque é preciso cuidado com as misturas. Eu sei beber. E, por saber, decidi não fazer oscilar a alcoolemia. Quais os frutos desta minha decisão? Preferi a meia sobriedade e uma dentição em tons de bordeaux à ausência do vómito e da gigantesca enxaqueca, um brinde impaciente e quase sem tocar nos restantes copos à cogitação e ao esforço analítico requerido pelo elencar do que não abrimos mão.

Qual é a probabilidade de perder aqueles 3-5 minutos do Ano Novo para suplicar através de um murmúrio que nunca o foi o que queremos ver concretizado? Considerando que o ser humano está vivo, num estado vegetal e impossibilitado de olear a própria psique por qualquer motivo ou morto, a probabilidade de perder esse momento é de cerca de 67%. Encadeado neste argumento, concluo que morri algures no término de 2023. O esquecimento não entra na equação anterior, até porque os meus pais matavam-me se soubessem que eu releguei parvamente os desejos para 2024.

Eu sou um apaixonado pela vida. Tenho um fraquinho por certas pessoas, dois por outras e uma crush monumental na deputada Rita Matias. A oratória, a postura, a inteligência, o olhar de lince. Faltava classe na casa da democracia. Portanto, se Deus me estiver a ouvir e se prolongou o prazo da listagem dos desejos para 2024, peço-lhe que mande qualquer sinal ao atual governo para se iniciar a aprovação de um projeto-lei que colocasse na mesma divisão – adornada com velas, rosas espalhadas pelo chão, fondues de chocolate, a Bíblia Sagrada à entrada e água benta para brincadeiras do momento – as seguintes personalidades: a Inês Sousa Real, o Miguel Sousa Tavares, o José Sócrates, a Isabel Jonet, o José Hermano Saraiva e a Cristina Ferreira.

O tarot sempre me alertou para a quantidade de pessoas que queria dialogar comigo. Não se referia a familiares, amigos ou conhecidos. Pelo contrário. Referia-se, sim, a personalidades que deram nome a Portugal. A menina que me leu as cartas deslindou três formas de despedida: uma orgia, um debate político ou a simulação de uma largada de touros ao estilo de Pamplona. Ora, naquele quarto pode acontecer tudo em simultâneo. Basta ter imaginação e estar aberto a novas experiências. Fiz tarot pela primeira vez em janeiro de 2017 e nunca mais parei. A conversa entre mim e o mestre da cerimónia foi a mesma. Tenho vindo a esgotar as possibilidades para resolver o mistério da minha existência. Vamos ver se é desta.

A Odete Santos foi substituída à última da hora. Por pressentir o chavascal, deu – e bem – à sola. Ainda foi a tempo. Se ela for a sexta parte do meu dilema, todo o esforço que emprego vai por água abaixo. Se assim for, que se lixe. Também não pedi os desejos naqueles 3-5 minutos. Já sabia que 2024 seria para esquecer…

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