Laura Coelho e Maria Oliveira são de Santa Maria da Feira e têm algo mais em comum do que a idade e o local onde vivem. Ambas vivem em São João de Ver, têm 88 anos e dedicaram a sua vida à costura, paixão que puderam reviver recentemente ao tricotarem casaquinhos para as meninas fogaceiras.
Desde os 14 anos que Laura Coelho aprendeu a arte de costurar e só parou quando “a vista” começou a ficar “cansada”: “Andei a aprender numa senhora e, depois, vim para casa e costurava em casa para fora”.
“Foi toda a vida a minha profissão, mas não era só isso. Tinha um quintal para trabalhar e os filhos para criar. Fiquei viúva aos 35 anos, com seis filhos. Tive de os criar e ganhar para os manter. Trabalhei muito, de noite e de dia. Sempre como costureira”, contou Laura Coelho ao Jornal Referência.
Hoje em dia já com netos e até bisnetos, Laura Coelho já costurou “um casaquinho” para a bisneta, mas confessou: “A vista está cansada, já trabalhou muito de noite, à luz da candeia. No meu tempo de jovem, não havia luz, era o candeeiro, era a candeia”.
Também Maria Oliveira começou a costurar muito jovem e fez disso profissão: “Era para fazer roupinha para eles [irmãos] e fazia roupa lá para os vizinhos. O que eu podia fazer, eu fazia. Eu gostava”. “Mas, ao princípio, ainda ganhava poucochinho. Ainda fui para a fábrica trabalhar”, lembrou ao Jornal Referência.
Aprendeu com uma vizinha costureira, mas na sua família já tinha também quem se dedicasse a este ofício: “A minha madrinha de batizado era costureira e eu, quando fiz as primeiras calças para fora, foi lá para a casa dela. Ela costurava bem e eu comecei a fazer calças. Depois, já fazia sozinha”.
“Era uma coisa que até me calhava muito bem, fazer calças de homem e tudo… mas tudo vai acabando, a gente começa a ficar velha… vai acabando”, lamentou Maria Oliveira, sublinhando que “gostava muito” de costurar.
São várias as memórias que estas duas utentes d’ O Abrigo – Centro de Solidariedade Social de S. João de Ver guardam de tempos e trabalhos antigos que recentemente puderam recordar ao participar no projeto comunitário Ponto Fogaça. O objetivo era tricotarem um casaquinho de lã branca para que uma menina fogaceira pudesse vestir durante o cortejo cívico e a procissão da Festa das Fogaceiras, que se assinala a 20 de janeiro.
Trata-se de um projeto promovido pela Câmara Municipal de Santa Maria da Feira que reúne 15 utentes, entre os 57 e os 94 anos, das valências de centro de dia e de lar de três IPSS do concelho. Estas tricotadeiras juntaram-se às cerca de 40 da comunidade que, nesta segunda edição do Ponto Fogaça, continuaram, de forma individual, a tricotar casaquinhos. As peças que não foram confecionadas até dia 20 vão ser utilizadas no próximo ano.
Laura Coelho e Maria Oliveira gostaram do desafio e acreditam que foi “boa ideia”. Garantiram que a arte “ainda não esqueceu”: “A gente, assim, não está só com as mãos quietas”. “A gente o que puder vai fazendo”, referiram ainda.
Festa das Fogaceiras: Uma tradição secular
Quem vive ou conhece Santa Maria da Feira sabe que janeiro, além de ser o mês de início de um novo ano, é também sinónimo de festa e tradição.
A Festa das Fogaceiras celebra-se a 20 de janeiro, dia de feriado municipal, e é uma tradição com mais de cinco séculos, segundo refere um comunicado da autarquia.
No total, 250 meninas integralmente vestidas de branco com faixas coloridas à cintura e de fogaça (pão doce) à cabeça percorrem as ruas do centro histórico de Santa Maria da Feira, renovando o voto ao mártir S. Sebastião, a quem agradecem a sua proteção.