Desinteresso-me até certo ponto
Se pensarem bem, aquilo que é vulgar e desinteressante pode suscitar curiosidade.
– “Uau!” – exclamam vocês impressionados com a genialidade.
Todos rimos muito, antes de alguém me acertar com um pau de marmeleiro nas costas.
A Humanidade devia ser objeto de estudo afincado e intensivo. Se tivesse a certeza de que a investigação jornalística premente não o maçaria, moveria “mundos e fundos” para ter o senhor Miguel Carvalho do meu lado a analisar os comportamentos que considero obtusos e pouco ou nada acreditados. O senhor Miguel Esteves Cardoso já fez revisão de algumas partes da matéria e todos agradecemos o serviço prestado. Bem, se calhar não agradecemos todos. Estendi o “obrigado” pela carpete vermelha onde desfila a sociedade portuguesa. Neste momento, há quem me possa acusar de ousadia. O país só progride com práticas disruptivas. “Ficar de braços cruzados não é para mim”.
Tem graça porque a ousadia pode ter aparecido somente no final do primeiro parágrafo. Escolher a frase “a Humanidade devia ser objeto de estudo afincado e intensivo” tem tanto de ousado, arrojado e original quanto ser Gyökeres e jogar contra o FC Vizela. Esta época, a maioria da população desligou-se do futebol. Esta sensação tem escoltado o meu estado de espírito, mas falta apurar a essência e, a confirmar-se, as razões que a sustentam. Neste momento, emoções e comoções fazem complô para assistirem à ruína de lágrimas. Prometo resistir. Não vou desculpar-me com um “não me quero alongar sobre este tema” por duas razões: (1) estaria a mentir, porque quero grafar a minha alegria em todos os humanos com quem contacto e (2) porque o assunto não é tão sério quanto a descida do IRS e, com o prolongar do mesmo, corro (sim!) o risco de macerar a paciência dos restantes adeptos, mas não corro o risco de lhes assaltar a carteira.
“Não sei se estão a ver aqueles dias em que não acontece nada, a não ser o que o que aconteceu e não aconteceu / E do nada há uma luz que se acende / Não se sabe se vem de fora ou se de dentro/ Apareceu”. Em Grão da Mesma Mó, Sérgio Godinho previu, como sempre, aquilo que estava para acontecer. Nas entrelinhas, apesar de a mordaça continuar extinta e coberta por ferrugem. A capacidade de antecipação em terras de Camões é, por norma, parca. As provas abundam, mas não reúno capacidade suficiente para lecionar a disciplina de História. Há seis anos – se a memória não me atraiçoa – o poeta que canta tão bem quanto escreve e fala introduziu-nos à lâmpada que vingará na Europa: Joana Amaral Dias é cabeça-de-lista da Aliança Democrática Nacional (ADN) para as eleições europeias. Um ato que pode revelar – que mais senão – ousadia. Desta vez, os eleitores não irão cair na esparrela de não ler corretamente o nome que consta no boletim de voto. A ver vamos a quem favorece o “engano”.
Haverá audácia superior? O patamar está tão elevado, tão vertiginoso. Qual será a forma de apimentar e trazer para o espaço público ousadias, pelo menos, semelhantes? Suicídio com arsénico? Galar uma menina e engatá-la ao 3.º encontro só para mostrar quem manda? Incitar uma pessoa a raptar-nos só para medir até onde chega a coragem? Ler romances daqueles românticos e tal, ficar à espera da paixão arrebatadora, achar que ela atracou no nosso porto e, volvidos dias ou meses, a frustração compor o pano de fundo de uma relação fadada ao logro? Ter marido e duas relações extraconjugais, revezadas pelas circunstâncias da vida e pela vontade de experimentar trocas de carinho tórridas? Sim, se tudo o que mencionei estiver concentrado numa só pessoa. Ema, ou Madame Bovary, pode encerrar ousadia em si. Flaubert foi julgado, mas nada de grave. Não entrem em pânico.
No ano de 1986, nasceram pessoas em Portugal. Partindo do pressuposto de que nasceram gémeos – dois rapazes, duas raparigas ou rapaz/rapariga (não escrevi “casal de gémeos” para escapar a possíveis acusações) – trigémeos e quadrigémeos (?), a probabilidade de as mães esperarem mais do que um rebento sem o saberem era maior porque, à data, – de acordo com a informação recolhida junto da fonte que não revelarei – as grávidas só tinham direito a uma ecografia. De repente, toda a parafernália associada ao bebé duplicava: lenços, fraldas, roupa, comida, amamentação, cuidados, paciência, etc. Com maior ou menor esforço financeiro, maior ou menor n.º de horas de descanso, tudo se conseguia. Contudo, sobejava um pormenor que acompanharia a criança para a vida e do qual ela não se desligaria. O nome, claro está! Na roda-viva que se instala – momento do parto em que a grávida percebe que ainda tem stock, avisada pela comunidade que a olha – a mãe, enquanto faz contas à vida, quer acelerar o processo de seleção do nome do feto. Naquele instante, o menor dos problemas transforma-se no maior deles. Ao invés de esperar um ou dois dias e recuperar da boa nova, a progenitora decide in loco, sem detalhe, de ânimo leve. Pode correr bem, pode correr mal. Muito boa – e má – gente tem nome do enfermeiro, obstetra, auxiliar, médico ou de outros participantes na cerimónia. Ousadia também pode ser isto.
O leitor que se prepare para a melhor reviravolta da história da crónica. Está prestes a acontecer algo nunca antes narrado. Mesmo sob aviso, creio que não estão preparados para o que vou mencionar.
Pensava que a ia conhecer neste parágrafo? Pensou mal.
E neste? Também pensou mal.
Só queria deixar claro que me faz confusão ver uma pessoa a pegar no garfo com a mão direita e, assim, inverter a ordem de pegar nos talheres: faca na mão direita, garfo na mão esquerda. Aceito o garfo na mão direita quando não há faca por perto. Tolero até esse ponto. Tudo o que fuja daqui, é um comportamento ousado. É o pensamento quinzenal. Boa reflexão!