Paulo Vieira de Castro: “Cada vez vemos mais esta ideia de que é possível fazer opinião com base na desinformação”

Paulo Vieira de Castro

Paulo Vieira de Castro, um escritor natural do Porto de obras dedicadas à autonomia crítica nas organizações, na educação e na sociedade, publicou recentemente o livro “Resisto, logo existo”, que vai ser apresentado esta quinta-feira, 27 de fevereiro, no Time Out Market Porto. O Jornal Referência esteve à conversa com o autor de vários livros e também professor sobre a nova obra e ainda acerca do mundo moderno.

O lançamento do livro vai decorrer na Sala de Prova deste espaço localizado ao lado da Estação de São Bento, pelas 18h30. Mais tarde, às 22h00, o bar The Gin House, na baixa do Porto, vai acolher a festa de celebração deste lançamento.

Com outros momentos de apresentação do seu trabalho já previstos, Paulo Vieira de Castro afirma que este será um dia “muito animado” e espera poder conversar com vários leitores. “A grande vantagem disto é nós entendermos que, de facto, nós escrevemos o livro, mas quem o faz não somos nós. Aliás, eu costumo dizer que, quando escrevo, apenas estou ali, porque o livro escreve-se sozinho e a prova disso mesmo é a multiplicidade de interpretações que eu vou encontrar na voz de quem lê o livro”, menciona, referindo que a obra nasce “deste encontro com os leitores”.

Autor de múltiplos artigos em publicações das mais variadas áreas do conhecimento, Paulo Vieira de Castro confessa que, hoje em dia, depois de já ter lançado romances, dá mais importância a este momento com o público, uma vez que as personagens que vai criando “podem ter outras vidas com base na leitura” que lhe vão dando.

“Esta ideia de se escrever um romance que tenha um fim que é em tudo impensável, que é o caso, faz com que as pessoas me perguntem: ‘E agora? Como é que vai sair daqui?’. E isso é importante, essas perguntas são muito importantes, ao contrário de quando escrevia sobre matérias técnicas. O romance tem esta valência e esta dependência, digamos, por parte do autor no que diz respeito a quem lê”, acrescenta Paulo Vieira de Castro.

“Hoje temos a crença a tomar o lugar da Ciência e as pessoas não se estão a aperceber que, de facto, isto tudo é muito grave”

O livro “Resisto, logo existo” é “uma atualização” de outra obra que lançou em 2023, com textos novos: “Elogio da Ignorância”. O escritor acredita que é uma releitura que “tem muito a ver com o momento presente”.

“Em Portugal, nós temos um conjunto de pessoas que fazem opinião, que até estão nos meios de comunicação social, mas que são desinformadas. Ou seja, nós cada vez vemos mais esta ideia de que é possível fazer opinião com base na desinformação, com base na ignorância”, defende Paulo Vieira de Castro.

“Há um culto, ou seja, as pessoas até se dão ao luxo de se gabar disso. Portanto, não querem saber da opinião dos outros, não leram, não ouviram… Portanto, partem do seu próprio ponto de vista, sem estarem informados. E esse livro era um bocadinho nesse sentido de nos abrirmos um pouco, esta ideia do culto da ignorância, mas sempre numa perspetiva filosófica”, continua.

Há dias, a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social divulgou os resultados do Relatório de avaliação dos deveres de rigor e de isenção na informação diária de horário nobre, exibida em 2023, que detetou “a hibridização entre informação e opinião em certos casos que desafiam a delimitação clara da natureza do conteúdo emitido”.

Sobre este assunto, Paulo Vieira de Castro salvaguarda a “falta” de “imprensa pública”: “Há, já há bastante tempo, uma tentativa de se mercantilizar o espaço da própria informação pública, que essa, sim, poderá dar garantias”. Além disso, entende que, quer um jornalista, quer um comentador, deve “ter uma mesma ética e um mesmo princípio, que é o da informação”, isto é, “refletir sobre informação credível”.

Paulo Vieira de Castro sublinha, por isso, “a ideia de resistir perante políticas brandas”, perante palavras que diz que foram tomando parte da vida das pessoas, como a “resiliência”.

“Eu diria que a palavra mais importante dos próximos cinco anos será resistir. (…) Há gente que está a morrer nas ruas por este mundo fora em defesa do óbvio, ou seja, esta ideia de que é preciso voltar à resistência tem a ver com o facto de chegarmos à conclusão de que vivemos num mundo onde o óbvio tem de ser ganho pela cidadania, tem de ser ganho pelo ativismo, o óbvio como filosofia de vida. A defesa deste óbvio é a resistência”, destaca. Como exemplo, Paulo Vieira de Castro indica as alterações climáticas: “Já estamos a tentar adaptarmo-nos o melhor possível a uma realidade contra a qual não fomos capazes de nos impor”.

“Nós, hoje, temos a crença a tomar o lugar da Ciência e as pessoas não se estão a aperceber que, de facto, isto tudo é muito grave e daí a necessidade de voltarmos à resistência”, conclui, argumentando que é necessário haver “uma leitura que seja analítica, naturalmente, mas, acima de tudo, crítica”.

Paulo Vieira de Castro
Foto: Guilherme Costa Carvalho

“Tudo em mim, na vida, são tropeços e levantamentos”

Desafiado a recuar alguns anos até quando começou a escrever, Paulo Vieira de Castro revela que a escrita e o lançamento dos seus livros surgiram um pouco por acasos da vida.

Foi colaborador de diversas revistas durante vários anos, nas quais escrevia sobre temas programados e pensados de forma diferente daquela com que constrói os seus romances hoje em dia. Por isso mesmo, nem sempre soube responder como surgiu este gosto.

“Eu acho que, essencialmente, é por uma questão de autodefesa. Quando se defende um conjunto de ideias tão amplo quanto aquele que eu defendo, desde o mundo dos Negócios até à Política e passando por diversos pontos de vista que não são concordantes, digamos assim, com o pensamento médio, é preciso explicar isso”, nota. “No concreto, como é que eu chego a ter 12 livros ou participar em 12 livros não sei explicar. Foi-me acontecendo, fui desenvolvendo também este gosto com base nesse exercício. (…) Hoje em dia, é mais do que uma escrita de autodefesa, para explicação de pontos de vista, é uma necessidade que eu tenho”, confidencia também.

Em 2010, surgiu o primeiro romance, que foi apresentado no Brasil, também por coincidências da vida. “Tudo em mim, na vida, são tropeços e levantamentos. (…) Um primeiro romance surge também um pouco sem saber como nem porquê, mas tem muito a ver com esse espaço de escrita que me foi faltando, digamos, uma escrita mais profissional e, tendo esse espaço, continuei a escrever”, reconhece Paulo Vieira de Castro.

Novo livro vai ter continuação

Atualmente, Paulo Vieira de Castro está ligado a vários movimentos culturais e está envolvido na direção europeia de uma startup norte-americana com enfoque no bem-estar e na saúde mental, mas a escrita não tem fim à vista. Já há uma continuação do “Resisto, logo existo” prevista para ser lançada futuramente.

Assim, pede: “Sejam capazes de ler o livro e de me falar sobre ele. Tendo eu afirmado que é para ter continuação, eu dependo muito também da ideia que as pessoas possam ter após leitura, quais são as personagens que são importantes para a trama, aqueles que podem ficar pelo caminho, aqueles que não têm interesse nenhum”.

“No fundo, tudo isto é uma invenção da minha cabeça, mas não é só isso. É uma justificação, é o entendimento de que há uma leitura que eu fiz ao longo da minha vida que pode ser representada por estes personagens, desde coisas pequenas, o nome, a personagem principal feminina tem tudo a ver com a coragem, com a esperança e o seu próprio nome indica essa fortaleza que eu vejo por parte das mulheres”, elucida Paulo Vieira de Castro.

“Eu gostaria de ver as pessoas a fazer uma leitura deste ponto de vista, que é um romance feminino, um romance a pensar muito nesta ideia de que se há solução para o mundo está nas mulheres”, remata.

Foto: Guilherme Costa Carvalho

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