OPINIÃO: A brecha da Resistência

Por entre os escombros da solidão que paira por entre as ruas das cidades desertas, uns travos de estrutura mantêm-se. Os prédios não cessaram a sua existência. Não colidiram sobre balas perdidas ou danos colaterais. Sustentam um importante abrigo – uma proteção constante face ao perigo inimigo sem rosto.

Não há marechais ou coronéis a imporem táticas e tudo se resolve à base da decência e aconselhamento. Motivações políticas privam-se por grupos privados e desligam-se dos comícios.

O esplendor universal recai sobre a amargura dos cafés matinais repetitivos, nos mesmos passos que se dirigem de uma ponta a outra. Duas carteirinhas de açúcar e as mesmas trombas do dia anterior, e anterior, e anterior, e anterior… já vai tarde e faz sol na rua.

O clima sazonal poderia ser propício a uma estupidez bélica, mas apenas restaram os escombros do silêncio e abandono da metrópole. O isolamento sim, travava batalhas gigantescas com as mentes mais frágeis e deduzia onde poderia plantar vírus rupestres depressivos, lançar umas quantas granadas de mão sob a forma de ansiedade, enfim, as brechas requeridas para se tornar a mesa da cozinha num balcão sujo de beco sombrio, com malgas de vinho tinto e marcas de piriscas.

O fumo amarelava as páginas dos livros e a literatura acinzentou-se ironicamente. Não houve resistência em massa. Surgiram ideias com potencial, reuniu-se autores, mas o propósito foram histórias de best-sellers. As crónicas portuguesas (tão pobres desde a perda de António Lobo Antunes) focaram-se nas querelas políticas nos diversos ramos de redes sociais.

A produção literária não resistiu. Alguns entretêm. Outros esqueceram-se… uns quantos consumidos com as patologias inerentes que batiam de porta em porta, mas muito poucos resistentes.

As vendas focaram-se em clássicos (best-sellers também) que pouco jus fez ao senil leitor na berma do revólver, as unhas arrepeladas no nó da corda, os pequeninos comprimidos no cerne dos refluxos gástricos.

Existiu, simultaneamente, a necessidade e a resposta, mas não se encontraram. Portugal reteve uma exímia possibilidade do panfleto literário, com vozes em uníssono em frequências diferentes. Resistência – resistência aos verdadeiros problemas. Mas os maiorais ficaram-se pelo entretenimento das palavras. Um precariedade literária que se desfez em notícias e partilhas sociais.

A pequena resistência lá foi resistindo, como pôde. Opondo-se à morte com vida – existindo nas mais adversas probabilidades, sem café, sem cigarros, sem literatura de algibeira nas estantes empoeiradas. Escreveu-se com cervejas mornas, beatas a meio termo e alguma pólvora enclausurada num metal soldado relembrando o que é a resistência.

Aos que vivem, nem sempre resistem – aos que escrevem, é preciso que seja pelos que vivem e pelos que morrem – resistir. Nem todos podem sorrir com histórias adornadas, podem no entanto relembrar que a sua sombria amargura nos escombros das ruas solitárias não é a única.

As ruas são paralelas, as vozes perpendiculares. Haja mais resistência.

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