Anteontem fui ao banco e pensei: “o ser humano é doentio”. É claro que também pensei isso ontem e fiquei em casa. No entanto, parece que em casa estamos mais protegidos. É uma intuição minha.
Tenho observado nos últimos anos que a predisposição de um ser humano em escutar outro ser humano é nenhuma. Já ninguém escuta ninguém. As pessoas ou falam ou não deixam falar. Não ouvem nem prestam atenção. A conversa outrora primordial abre para solilóquios jubilosos e orgásticos.
Eu desisti de falar com pessoas. A maior parte das vezes dedico-me ao insulto até o interlocutor cessar o discurso. Nunca estou verdadeiramente dentro da conversa, isto é, do monólogo. No início estava. Era uma pessoa igual a vós outros, mas aos poucos aconteceu-me deixar de ouvir o que as pessoas têm para dizer.
Há dias, um conhecido meu, avistou-me na rua e perguntou “Então campeão, como estás?” e, de modo a despachar-me porque não sou de grandes conversas, satisfiz-lhe muito sucintamente a curiosidade “Estou bem”. Sem que me apercebesse da armadilha, o interlocutor aproveita a náusea e discorre num monólogo confrangedor “Olha, eu não estou assim muito bem porque…”. E numa celeridade madura de quem já tem a habilidade de não conseguir conter o que vai dentro, o bonifrate despeja para cima de mim ininterruptamente a miséria de sua vida.
O filósofo Byung-Chul Han, em certo ponto do livro A Expulsão do Outro, ironiza: “No futuro haverá, possivelmente, uma profissão a que se chamará ouvinte. Mediante o pagamento, o ouvinte escutará um outro, atendendo ao que este diga. Recorremos ao ouvinte porque, exceto ele, quase mais ninguém haverá que nos escute”. Torna-se claro que o primeiro pensamento que vem à cabeça é que podia muito bem ter sido eu a escrever tal genialidade. Só depois é que percebemos que nos diz que cada vez mais o enfoque do ego e o progressivo narcisismo da sociedade digital tornará difícil a comunicabilidade entre nós. Quando digo nós, digo pessoas. Mas dou de barato se por acaso o leitor for uma máquina ou um terraplanista.
O autor germano-coreano espera que numa sociedade vindoura as pessoas escutem e prestem atenção e deixem falar. Para ele há urgência numa “revolução temporal” para que um outro tempo principie. Para que finde o tempo do eu que nos individualiza afim de produzir o tempo do outro, da partilha. Byung tem uma visão otimista sobre o futuro. Admiravelmente, eu nem tanto.
Nótula em jeito de recomendação:
Este livro: Silêncio, de Ricardo Ben-Oliel