POR OUTRAS PALAVRAS: Medo

Por outras palavras, medo

Nesta altura do ano, em que o tema do medo surge com mais leveza nas conversas e nas decorações, vale a pena olhar para ele com outros olhos. O medo é uma das emoções mais antigas e universais do ser humano. É uma reação instintiva, ligada à nossa sobrevivência. Quando o cérebro deteta uma ameaça, seja real ou imaginada, ativa um conjunto de respostas automáticas: o coração acelera, os músculos contraem-se e a respiração torna-se mais rápida. Tudo isto serve para nos preparar para lutar, fugir ou, em alguns casos, ficar imóveis.

Curiosamente, o medo não é sempre negativo. Em doses equilibradas, ele protege-nos, mantém-nos atentos e pode até ser excitante, basta pensar na adrenalina que sentimos ao ver um filme de terror ou ao andar numa montanha-russa. É uma forma segura de explorar o perigo sem correr risco real. O que distingue o medo saudável do medo que nos limita é a intensidade e a frequência com que aparece.

O medo é também aprendido. As crianças pequenas, por exemplo, nascem com muito poucos medos inatos, o som alto e a sensação de queda são alguns deles. Os restantes aprendem com o tempo, através da observação dos adultos, das experiências de vida e até das histórias que lhes contamos.

Na prática clínica, o medo raramente se apresenta de forma direta. Surge, muitas vezes, disfarçado em comportamentos ou estados emocionais que, à primeira vista, parecem ter outra origem. Pode manifestar-se como ansiedade, quando o corpo e a mente se mantêm em alerta constante perante ameaças que nem sempre são reais. Pode aparecer como preocupação excessiva, numa tentativa de antecipar e controlar o futuro para evitar surpresas. Ou ainda como necessidade de controlo, quando a pessoa sente que só consegue estar em segurança se tudo à sua volta estiver previsível e organizado.

Por vezes, o medo revela-se através da evitação – deixar de fazer algo, não por falta de vontade, mas por receio do desconforto que possa surgir. Evita-se o contacto, a mudança, a exposição, o risco de errar. O problema é que, a curto prazo, evitar parece aliviar; mas, a longo prazo, reforça a ideia de que o perigo é maior do que realmente é, e o medo acaba por crescer.

O desafio não está em silenciar o medo, mas em compreendê-lo e acolhê-lo. Isso implica reconhecer as situações em que ele surge, perceber o que está a tentar proteger e, gradualmente, criar novas formas de lidar com ele. Quando é reconhecido, o medo perde parte do seu poder. E, paradoxalmente, é ao dar-lhe voz que encontramos mais liberdade para agir.

Imagem: DR/Jornal Referência

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