Daniela Costa: “Quando as minhas palavras faziam alguém sentir algo, o meu objetivo estava cumprido”

Daniela Costa tem 18 anos, frequentou o curso de Línguas e Humanidades no Agrupamento de Escolas de Búzio e é natural de Vale de Cambra, Aveiro. É autora do recente livro “Vamos ter netos”, da Chiado Editora. Para a autora, a escrita ocupou sempre um lugar preferencial em relação à oralidade. A obra deu voz à sua forma de comunicar e marcou a diferença pela sua musicalidade.

A apresentação do livro decorreu no passado dia 24 de junho, no Chiado Café Literário/Porto, na Avenida da Boavista, e o Jornal Referência não só marcou presença, como esteve à conversa com a autora.

Como surgiu a ideia para a escrita da tua obra “Vamos ter netos”?

Eu estava na escola, num dia normal, e um grupo de alunos de multimédia veio ter comigo a pedir-me ajuda para a escrita de um guião que daria depois, no futuro, uma curta metragem, porque souberam (ainda não sei como) que eu escrevia. A minha primeira reação foi dizer-lhes que eu não escrevia guiões e era melhor não aceitar a proposta.

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Foto: Filipa Albergaria

No entanto, eles estavam desesperados, pois necessitavam mesmo de alguém para escrever o guião e eu acabei por ajudá-los. Depois do guião estar finalizado e de ter sido transposto em curta-metragem, eu achei que o que tinha escrito tinha potencial e acabei por mandar para a editora que, na minha opinião, mais se adequava ao meu trabalho.

Consideras então que a interação entre cursos é vantajosa tanto a nível pessoal como intelectual, pois como tal aconteceu contigo surgiu um projeto de grande potencial?

Claro que é importante, porque é extremamente relevante não estarmos apenas fixados naquilo que o nosso curso nos fornece. Adicionalmente, como seres humanos biologicamente ativos, devemos procurar sempre novos recursos e novas aprendizagens.

No meu caso, eu escrevi o guião como uma peça de teatro porque não fazia a mínima ideia como o fazer para cinema. Os alunos de multimédia adaptaram-no a cinema e saí do projeto com uma aprendizagem completamente diferente do que é a escrita nesta área. Mais tarde, adaptei a o guião à obra que é agora publicada.

Tu retratas uma realidade dura no que toca ao consumo de drogas, às desilusões da vida e a brigas entre família. Em que medida consideras que esta realidade está presente nos dias de hoje e o porquê de optares por contar este lado da história?

Muitas pessoas perguntam-me se é uma história verídica, se me inspirei em mim ou na minha própria vida. Não. Apenas, para a escrita do guião, disseram-me que teria de escrever algo que fosse atual e não “cliché” e lembrei-me logo das drogas, optando, assim, por retratar este lado negativo da sociedade.

No entanto, tenho sempre algo vivenciado que me remete para o que escrevo e este caso não foi exceção.

Sempre tiveste o gosto pela escrita? Como o demonstraste ao longo do tempo e qual o teu primeiro contacto?

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Daniela Costa | Foto: Filipa Albergaria

Sempre fui uma pessoa muito tímida e isso influencia muito a forma como comunico com as pessoas. Sempre preferi escrever a falar e comecei a aperceber-me que conseguia exprimir-me muito melhor a escrever. Por este motivo, comecei a escrever para os meus familiares a dizer o quão gostava deles ou apenas a dizer um breve pedido de desculpas. O que escrevia transcrevia, de uma forma muito clara, aquilo que sentia e conseguia-o fazer receber às pessoas que me rodeavam. Quando as minhas palavras faziam alguém sentir algo, o meu objetivo estava cumprido.

Remetendo para o meu primeiro concurso, foi para uma escola em Oliveira de Azeméis, era um concurso de escrita de crónicas, no entanto, não o ganhei. Depois concorri a outros projetos, num dos quais, por ventura, ganhei um vale de 100 euros.

Como escreveste o livro? Tinhas rotinas? Quanto tempo levaste a escrevê-lo?

Escrevi o livro num fim-de-semana. Prefiro escrever à noite e com música. Na minha opinião, as palavras ganham ritmo e surgem naturalmente. Neste caso, a obra foi escrita sempre com a mesma música – “To build a home”, dos “The Cinematic Orchestra”. As pessoas chamavam-me louca por ter ouvido a música vezes consecutivas.

E tens como objetivo dares continuação à obra?

As pessoas têm-me dito: “Então, Daniela, o livro é muito pequeno, queremos outro para sabermos o final da história!”. E eu respondo que se o escrever será para eles, para os leitores, porque, para mim, o livro está perfeito como está. Não tem um final feliz ou triste. É incógnito e isso faz dele diferente.

No entanto, estou já a escrever outro livro, que é uma coletânea de crónicas. E como sempre, pego em partes ou momentos que me marcaram de alguma forma e escrevo-os de forma a camuflar que fui eu que os escrevi, porque assusta-me alguém saber mais sobre mim que eu própria. Posso dizer que será uma nova forma de diário, porque, apesar de ser intimista, ninguém o vai conseguir decifrar, pelo menos, da maneira que eu o faço.

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Foto: Filipa Albergaria

Dedicaste ou dedicarias o livro a alguém?

Dedico o livro a todos que o leram. Primeiro, quando o escrevi nem sabia que iria ser um livro e não o fiz pensando ou tendo em conta alguém. Segundo, com ele, eu apenas quero que as pessoas reflitam e o aproveitem ao máximo.

Eu acho que cada livro tem algo próprio e, quando nós colocamos livro no mercado, ele deixa de ser do autor, mas passa a ser um bocadinho de cada leitor de maneira diferente.

Que características únicas possui o livro?

Eu, em tudo o que escrevo, acabo por colocar um bocadinho de mim e isso pode ou não diferenciar-me. Eu acredito que, tal como Fernão Lopez disse, “a maior herança que poderei deixar aos meus filhos é um livro”. E, por isso, coloco tudo o que tenho quando escrevo.

Depois, aquilo que a obra traz de novo é as referências musicais que tem ao lado de cada cena para permitir aos leitores entrarem totalmente na obra. É um livro de bagagem. É uma escrita fácil e acessível e que é fácil identificar-se com o tema. Facilmente lembramo-nos de um amigo ou familiar que passou pelo mesmo.

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Foto: Filipa Albergaria

E se tivesses de dizer algo sobre a história da obra, o que dirias?

Poderia dizer que o livro poderia ser a vida de uma pessoa que vemos a passar na rua. Todos nós conhecemos uma mãe, um primo, um filho. Há sempre alguma criança que faz birra, há sempre alguém apaixonado. Todos nós convivemos com vidas difíceis e não as mais justas. É um livro cativante e que pode realmente retratar a vida e o quotidiano de alguém.

Para finalizar, podes ler o teu excerto preferido do livro?

Para mim, a riqueza do livro está na voz off. Portanto, foi um excerto retirado de lá que selecionei. Aqui vai: “Nós, seres humanos, precisamos de consolo. Somos um ser carente. Para tudo precisamos de um prémio, uma recompensa e um presente. Conscientes desta realidade, corremos como soldados da vida, alguns à velocidade da música que têm nos ouvidos e outros precisam de ser empurrados pelo vento. Soldados com lutas enormes. Corremos como se o mundo estivesse a acabar. Corremos como se precisássemos daquele bater acelerado! Daquela respiração ofegante e daquele peso morto dos músculos a implorarem que paremos!”

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Daniela Costa | Foto: Filipa Albergaria

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