Pitada de Pimenta
Querido diário (em masculino, porque acho que sou mesmo muito macho e mesmo muito muchacho),
Hoje estou mesmo muito triste. Não, não é por causa do meu velacho, que tenho corpo marracho! Todo eu sou hirto e forte que nem um riacho, não penses tu outras cousas.
Disseram cousas feias sobre mim, como vedes. Disseram que sou facho. Oh, diacho! Como se eu, alguma vez, fosse facho! Deus me livre! Deus, Igreja, tudo o quanto me ouvides neste momento, sabeis ouvir de minhas preces inconformadas de rótulos tão… credo! Chamarem-me facho só porque digo coisas que não gostam de ouvir… oxalá possa voltar a escrever esta carta com o lápis azul, gosto da cor. Antes lápis azul, que preto. Se me entendes…
Custa-me ouvir essa palavra – repito, facho – só porque não suporto certas coisas. Antes me chamassem de frigideira, sertã, panela, mas não, insistem em tratar-me por facho… como se eu precisasse do tacho! Como se eu papasse gualacho! Só se for minorias ao pequeno almoço, ao almoço e ao jantar! E têm que ser bem passadas… ali a fugir para o estorricado! A fugir como quem diz, que de mim ninguém foge… ah, bô!
Enfim. Só sou apreciador desse tipo de comentários, isto é, quando são iguais, completamente iguais aos meus. Esses, eu venero e levo no meu regaço.
Outrora disseram que eras uma maçã podre, lembras-te? Foi lá na capa da Revista Time. Para mim, és um bonacho, o meu bonacho, aquele em que me inspiro e respiro para doutrinar os surdos, os moucos!
Frouxos! Malditos! Libertinos! Socialinoides! Escumalha! Se assim for, sou o lobacho de um lobo perspicaz, com sabor a vitória! Quer dizer, a cadeira derrotou-te… deixou-te estatelado no chão… raios partam na madeira! Que aquele racho apodreça! Sabedes, também, o que pode ser feito de madeira, no palpável mais rústico do objeto? Um fratacho! Há coisas mesmo giras, hã. É uma ferramenta, pelos vistos.
Um fratacho! Que… curiosamente… rima com facho, tacho, ventura…
Tu nem eras como os outros, estimado bonacho, eras mais amigável, nada de scracho! Eras quem nos garantia a paz nas ruas (a polícia era mesmo excelente no seu trabalho, quase sem deixar rasto, porque os malditos, os bandidos, esses, nunca mais ninguém os via… ah pois!); eram as contas públicas (ouvia muito aquela história de famílias comerem uma sardinha repartida por quatro irmãos, já viste como zelastes tu pela dieta desta gente, comendo o necessário? Magros nada, todos elegantes andávamos nós, tudo para modelos e capa de revista… fome? Desculpas!); era o respeitinho que se tinha na rua, ao político que eras, meu bonacho, que só por acaso rima com facho, ninguém, jamais, se atreveria a contar infâmias por aí… até as vilas, aldeias, acabavas com a coscuvilhice na rua, pois que não se permitia falar assim das pessoas… como queriam e bem lhes apetecesse!); e as mulheres? Umas autênticas senhoras, donas de casa, que tinham com que se ocupar, não se preocupavam com desemprego, pois tinham as casas para cuidar, as lides, os seus membros familiares para zelar e um homem a estimar! Não vinham para a rua tão facilmente apanhar a poluição sonora e ambiental que por aqui se inflama na saúde…
Algumas das palavras que uso que terminam em “acho”, estimado bonacho, que por acaso rima com facho, mas tudo puras coincidências, muitas delas são inspiradas no resultado de palavras que procurei na internet. Dizem-me que vêm do Brasil, parece-me, que, lá, hoje, também temos um irmão bonacho! E não só. Vede: em Portugal temos uma aventura, parecida àquela série de adolescentes que passava na TV e que tu, infelizmente, já não apanhaste. O gajo, vê lá tu, decidiu implicar com os ciganos! Sim, os ciganos, como não pensaste nisto antes? Sim, lá conseguiu trazer à tona mais amiguinhos nossos, que estavam escondidos pela democracia, vê lá tu. Estavam já como os troféus em alguns museus… em pó!
Ressuscitaram a nossa pátria adormecida…
Mas, ouve lá, não só importamos palavras, como também importamos as mesmas ideias. Eheheheh.
Escacho agora a minha alegria aqui para ti, meu bonacho, que vivemos tempos de aproximação e exaltação dessas ideias. Respiro liberdade! Liberdade de poder dizer o que as pessoas não conseguem respeitar, já viste? Depois, fazemos como fizeste: somos nós que os calamos a eles. É como diz o das aVenturas: Ninguém nos vai calar. Mas facho? Nunca!