Já sonhou com uma versão mais jovem de si mesma? É esta a pergunta que é feita a Elizabeth Sparkle, personagem interpretada por Demi Moore. Uma celebridade falhada que, farta de lidar com o desespero de uma carreira em ruínas, decide tomar uma substância ilegal para se renascer, numa nova vida, na pele de Sue, interpretada por Margaret Qualley, uma miúda que preenche os ideias de beleza da comunidade, maioritariamente masculina e que se transforma no sonho à frente das câmaras. Mas tudo tem consequências e um pequeno descontrolo poderá levar a uma decomposição. Esta é “A Substância”, que ganhou o Melhor Argumento no Festival de Cannes deste ano e que é considerado um filme chocante e que levou audiências a abandonar a sala.
Etiquetado como filme de terror, considero que é mais uma crítica social mordaz aos padrões de beleza exigidos, a como é que nos vemos e até que ponto podemos considerar que somos realmente bonitos e conseguimos que a comunidade nos adore. A busca por uma perfeição muitas vezes exagerada que se torna imperfeita. O filme desenrola-se, assim, numa teia de sangue e de alegorias, polvilhado com o chamado “body horror”. Um filme que não é para todos os estômagos nem gostos, e muito bem filmado, desde os grandes planos cheios de cor, até aos pequenos detalhes, onde os sons ganham nova dimensão, num estilo ASMR. Um filme que certamente tem parecenças com “O Retrato de Dorian Gray”, devido a uma constante procura pelo belo, que segue um caminho próprio e que nas suas duas horas não passa paninhos quentes ao espectador.
Aqui é tudo cru, visceral, intenso, como tem de ser. É um filme punk, a banda sonora ajuda a criar a ligação com a trama e fá-lo de uma forma impecável. É um grito bastante sonoro à sociedade, muito machista, que vive das aparências de um corpo feminino e só olha para o que esse corpo pode dar às audiências. Dennis Quaid interpreta um executivo que é o puro machismo em pessoa, só se preocupando com as aparências e com o sucesso, a fama.
Sinto que, depois de ver este filme, fui atropelado por uns quantos camiões cisterna, mas a sensação foi fantástica. De certa forma é um filme livre, que não se preocupa em causar transtornos. Demi Moore é brilhante como Elisabeth. Carrega consigo o peso da culpa, da ruína, mas também do desejo de mudança.
“A Substância” é arrepiante de ver mas carrega consigo uma importante mensagem sobre os ideias de beleza e se um corpo já gasto pode ou não ter o seu mérito perante a sociedade, que vive de aparências e onde tudo é glamour.
Estrelas: 10 em 10
Este autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.
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