OPINIÃO: ao encontro do revólver de Pizarnik

Cada vez há menos ar por onde respirar. No isolamento doméstico o oxigénio esgota-se das mesmas inspirações, espaceadas e compassadas num ritmo mórbido. A demência não principia com a riqueza dos afazeres, nem na panóplia da criação. É antes na noite, na impotência de se fazer luz do céu, no céu.

O diletantismo intelectual é uma praga que se espalha venereamente. Culpabiliza a líbido no silêncio e justifica-se com uma ascensão cultural egológica. Não há uma introspeção face às palavras que o poema dita. O espelho social reflete a beleza estética de uma cruz desenhada ao lado de meia dúzia de versos e sucede-se uma confiança no gosto alheio.

“Os ausentes respiram e a noite é densa. A noite tem cor das pálpebras do morte” ou “A morte devolveu ao silêncio o seu prestígio enfeitiçado. E eu não direi o meu poema e hei-de dizê-lo. Ainda que o poema (aqui, agora) não tenha sentido, não tenha destino.”

O tempo que leva a partilhar estes versos é inferior a trinta segundos. Mas quanto tempo leva a morrer após tomar dezenas de comprimidos aos trinta e seis anos?

Alejandra Pizarnik, se fosse viva faria 84 anos (por volta desta altura, 29 de Abril). É um nome que deve causar arrepios por entre o meio literário.

Se esta mulher tivesse aparecido na minha vida noutra altura, talvez não lhe prestasse a devida atenção (e poderia ter sido melhor assim!) mas figurou-me inúmeros esqueletos dos fósforos no cinzeiro improvisado (uma lata de salsichas de marca branca).

O peso do tempo é imensurável. Em cada noite há um ecoar metálico do tambor de um revólver, a ser carregado, pronto a disparar sobre a memória em forma de sonho, ferindo as insónias derramadas em ardor e saudade. É tudo um eco de uma lembrança – a arma já disparou. É o poema que sobra.

Não me foi possível evitar o encontro.

Há palavras e há palavras – há leitores e há leitores. Na ambiguidade tudo é vazio e irrelevante. O espaço que sobeja entre os dois é o da volúpia, autocomiseração, de preenchimento esquemático que afugenta a solidão ou o tédio monótono do quotidiano.

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