EM TELA CONVIDA: “Cafarnaum (Capharnaüm)”

“Cafarnaum” é um reflexo da humanidade no limiar da existência, abaixo de qualquer conceção de dignidade humana com a qual, no mundo ocidental, tão confortavelmente estamos familiarizados. Perplexidade e empatia, apesar de parecerem paradoxais, são as melhores palavras que, de uma forma atordoante, acompanham a visualização do filme.

Detendo, como plano de fundo, a paisagem e a humilde realidade social de Beirute, capital do Líbano, Nadine Labak – roteirista e cineasta libanesa – cativa, com uma particular sensibilidade na visão, o espetador para a luta pela sobrevivência de quem se vê encurralado. Debruça-se a história sob Zain, uma criança sem documentos oficiais, cuja idade nem nos é bem definida e onde todas as adversidades sociais o empurram para, literalmente, becos sem saída, marcados pela solidão e pela perda de inocência. Retrata, de uma forma tão única, o quotidiano das milhares de pessoas, metaforizadas por Zain, que, sozinhas e pelas mais diversas razões foram deslocadas de suas casas, se tornaram refugiados ou requerentes de asilo.

A sensibilidade associada ao filme transcende a própria representação, revolucionando o conceito de cinema, numa emocionante conjugação entre realidade e ficção, pois Zain – não a personagem, mas o ator – também se chama Zain Al Rafeea fora do ecrã e também, longe das câmaras, é um refugiado. Porque isto não acontece só no cinema. A história que envolve a própria rodagem do filme é também um apelo à sensibilização e consciencialização para com os atuais conflitos armados e os sistemas internacionais, para todos nós, individual e coletivamente. Não há atores neste elenco, apenas pessoas abandonadas nas ruas de Beirute – refugiados e outros em situação de pobreza extrema -, que a cineasta acolheu.

Toda esta humanização do cinema levou Nadine Labak, com este filme, a ser a primeira mulher árabe nomeada para um prémio da Academia de Hollywood, em 2018, na categoria de melhor filme estrangeiro. Nadine Labak hipotecou a própria casa para conseguir gravar e produzir este filme e, com isto, deu um propósito a quem no filme participou. O filme encontra-se disponível no FilmIn.

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