Um destes dias acordei e julguei estar em pleno século XIX. Fiquei surpreendida com a notícia que ouvi, de passagem, na televisão, acerca de uma mulher que fora vítima de violência física, por parte de dois homens, por ter cometido adultério. Não foi apedrejada, mas agredida violentamente com uma moca com pregos.
Esta situação, como tantas outras, que leva muitas mulheres a ficarem com marcas profundas, tanto físicas como psicológicas, quando não são mortas pelos seus companheiros, tem de acabar definitivamente, com penas não suspensas, mas de condenação a prisão de vários anos e com trabalho forçado, experienciando, estes homens, a violência que infligiram nas mulheres, senão diariamente, pelo menos, uma vez por semana.
O que mais me chocou foi a opinião dos juízes da relação do Porto que citaram a Bíblia. Contudo, não leram bem esta última, senão nem sequer a teriam citado. Numa passagem Bíblica podemos ler que, certa manhã em que Jesus estava no Templo a ensinar, apareceram por lá uns escribas Fariseus com uma mulher apanhada em adultério. Colocaram a mulher no meio de todos e disseram a Jesus que, segundo a lei de Moisés, estas mulheres deveriam ser apedrejadas.
Jesus disse-lhes: “Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra contra ela”. Quando tal ouviram, saíram um a um, primeiro os mais velhos, seguidos de todos os outros. Ficou só Jesus e a mulher. Jesus perguntou onde estavam os acusadores e se a tinham condenado, ao que a mulher respondeu: não. Jesus disse-lhe que nem ELE a condenava, que se fosse embora e não pecasse mais. Jesus mostrou-se, não apenas sábio, mas amoroso e misericordioso.
Maravilhoso ESTE HOMEM que passou pela terra, que deixou tantos ensinamentos, sacrificou a sua vida por nós e não valeu de nada, porque, em pleno século XXI, há alguém com um papel importante na vida pública e na justiça do nosso país que diz e transcrevo: “O adultério da mulher é um gravíssimo atentado à honra e dignidade do homem, sociedades existem em que a mulher adúltera é alvo de lapidação até à morte” e, como se não bastasse, ainda acrescenta: “O adultério da mulher é uma conduta que a sociedade sempre condenou e condena fortemente (e são as mulheres honestas, as primeiras a estigmatizar as adúlteras) e, por isso, vê com alguma compreensão a violência exercida pelo homem traído, vexado e humilhado pela mulher”, sendo tais palavras corroboradas e assinadas por uma mulher, o que me indigna bastante.
Lembrei-me de imediato de Ana Plácido, que por ter amado Camilo Castelo Branco e tido a coragem de o assumir, indo viver com o escritor, foi condenada, coincidência das coincidências, pelo tribunal da Relação do Porto e ambos estiveram presos de 1860 a 1861, sendo absolvidos em 1863.
Na nossa sociedade, em pleno século XXI, nós mulheres não podemos continuar a tolerar rótulos, ou seja, de um lado as “honestas” e do outro as “adúlteras”, bem como, devemos denunciar e exigir justiça, sempre que somos alvo de violência por parte dos homens.
Há uma Constituição em que figuram direitos e deveres para todos, independentemente do género, se isso é só na teoria, vamos, então, exigir que esses direitos, enquanto cidadãs, sejam um facto.
Aos homens eu pergunto, em nome de todas as mulheres traídas neste país, com que direito se sentem vexados, humilhados e traídos, quando vós sois os primeiros a humilharem-nos, a vexarem-nos, com as vossas aventuras extraconjugais? Sim, porque segundo, a vossa mentalidade, precisam de mais sexo do que nós, mulheres, não é verdade?! E porque como homens, se sentem predadores a correr atrás de aventura e “carne fresca”, estas são palavras que eu tenho escutado de algumas bocas masculinas, e mostro de imediato o meu desagrado e desacordo.
Mentalizem-se do seguinte, nós mulheres também sentimos necessidades iguais às vossas, ou seja, precisamos de sexo, de amor, de carinho, de atenção e se não o tivermos em casa, procuramos fora dela, não tenham dúvidas. Entretanto, há de facto uma diferença entre homens e mulheres e sabem qual é? É que para nos envolvermos com outro homem, temos que sentir amor por ele e isso, para vós, não tem de ser assim, forçosamente. Por outro lado, o vosso adultério nem sequer é punido por lei, ou seja, não sofrem condenação, nem violência doméstica, nem pública, porque desde sempre isso tem sido conotado como fazendo parte da vossa “virilidade”, daí que estão sempre salvaguardados, o que é uma grande injustiça que deve ser retificada.
O sol quando nasce é para todos, homens ou mulheres, e, como tal, é necessário que se deixe de condenar as mulheres rotuladas de “adúlteras” por terem mais coragem de assumir as rédeas do seu destino e que ousam romper as barreiras que sempre lhes foram impostas e, infelizmente, ainda são pela sociedade dominada, ainda nos dias que correm, pelos homens.
Às mulheres rotuladas de “honestas”, eu diria apenas que elas também amam e se sentem atraídas por outros homens, mas como não têm coragem de assumirem, de serem rainhas das suas vidas, pelo menos, são de seus pensamentos e vivem platonicamente grandes paixões e amores.
Mulheres, juntemo-nos em defesa umas das outras, como os homens fazem entre eles. Não se dividam, nem se julguem umas às outras, entendamo-nos e lutemos pela nossa integridade física e psíquica. Não somos perfeitas, nem é isso que se pretende. O objetivo primeiro é fazer valer os nossos direitos, aceitarmos as nossas necessidades enquanto seres humanos, as nossas diferenças. Não devemos apontar o dedo a ninguém, nem injuriar outra mulher porque nos levou o homem de casa, não vou dizer que isso não cause dor, claro que causa, nas decerto algo estava errado, para que tal acontecesse. Deixá-lo ir, pois fazer falta não fará, pelo menos, na nossa cama e no nosso coração.
Um outro dia nascerá e com ele um novo amor, uma nova esperança, uma vida renovada, que se quer sempre feliz e vivida com intensidade e de alma limpa e serena.
Sejamos rainhas das nossas vidas, dos nossos pensamentos, das nossas decisões.
Lutemos pelos nossos ideais e liberdade e paremos de forma eficaz a violência de que muitas já sofremos.
Unidas venceremos, não tenham dúvidas.