OPINIÃO: Pistolas aéreas sobre o queixo

Romão Rodrigues, 20 anos, Estudante de Ciências da Comunicação na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

“Que futuro?” traduz uma expressão que pretende encetar algo promissor e pelo qual ninguém está à espera. Quando aplicada ao título de um vasto conjunto de ideias redigidas, então nem se fala. Se cairmos na tentação de repetir as duas palavrinhas vezes e vezes sem conta, pasme-se, soa igualmente à primeira profecia.

Alguns racionais ainda acrescentam algo à baderna: ao mesmo tempo que articulam a fala, erguem a pistola aérea erigida pelo polegar e pelo indicador e colocam-na junto ao próprio queixo. São gestos que comovem.

Ao ser pensante, para o ser, urge adotar esta metodologia. Para além da profundidade e da rapidez do pensamento serem fomentadas pelo método descrito, a capacidade de análise e discussão sobre temas que não atingem diretamente o/a visado/a melhora substancialmente. Repare!

– Manuel, tenho algo de muito grave para te contar. É melhor firmares os glúteos à cadeira! – anunciou Maria num tom grave.

– Então, o que se passa? – questiona Manuel, operando simultaneamente o movimento da mão e a finita lista de acontecimentos possíveis.

– Vim agora do hospital. Nem sei como te hei de dizer isto… – desabafa Maria.

– Eu já sei o que aí vem. Mas diz, preciso de ouvi-lo para reunir a certeza absoluta – declara Manuel, conformado.

– Para além de estar quatro horas na sala de espera sem um único livro, entrei para o consultório, recebi o resultado das análises, – está tudo bem – paguei 60 mocas, andei à procura do carro durante 45 minutos e pisei uma pomba. Pisei como quem diz…

– Calculei logo que fosse algo desse género. Cancro, hepatite, SIDA, poliomielite, brucelose, cólera, ébola, dengue, escorbuto, febres nominais, gangrena, lúpus, malária, rubéola, tuberculose, urticária e varíola, à partida, sabia que não te tinham atingido nos últimos dias. Estava mesmo a ver que podia acontecer-te o que te aconteceu. Parece bruxedo! – exclama Manuel, já desarmado.

– Espera, espera… esta situação não me é nada estranha. Creio que já fui elucidada por um flashback qualquer. Ou então padeci de um sonho sinistramente parecido. Já me recordo! Isto aconteceu anteontem. A experiência foi tão traumática que achei que se voltou a repetir – corrige Maria.

Manuel, colocando a arma sobre o próprio queixo, inquire Maria num tom pleno de consternação:

– Tens a certeza de que não te diagnosticaram Alzheimer? Que futuro terá uma pessoa na tua condição?

Entre muitos outros, a situação descrita ilustra um exemplo do impacto que um simples gesto pode ter no aguçar da perspicácia e no apurar da sagacidade humana. Aquando estabelecido um diálogo e realizado o movimento cogitado, isto é o que me apraz dizer.

Em relação às pistolas aéreas sobre o queixo para poses (não) dignas registo fotográfico, deixo para mais tarde. Não há espaço para tanta comoção.

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