Desinteresso-me até certo ponto
Se pensarem bem, aquilo que é vulgar e desinteressante pode suscitar curiosidade.
– “Uau!” – exclamam vocês impressionados com a genialidade.
Todos rimos muito, antes de alguém me acertar com um pau de marmeleiro nas costas.
Que fórmulas podem ser utilizadas para realizar um passeio pelos tópicos distintos de conversa? Pratiquei três: silêncio unânime entre os indivíduos pertencentes à cavaqueira após o diálogo e inserção da matéria tida em mente, a introdução da expressão “mudando de assunto” tendo em conta o campo visual imprescindível à entrada numa rotunda, segundo a versão mais atualizada o Código da Estrada, de modo a evitar olhares desdenhosos, o direcionar do foco da conversa que ocorre para aquele que pretendemos, por meios mais ou menos autoritários. O progenitor do sexo feminino ensinou-me o quarto: estilo tanques russos T-72 com ponto de partida no Kremlin e ponto de chegada algures na Europa. Nos dois casos, o objetivo passa pela anexação de algo.
Realmente não tenho paixões profanas/terrenas, não cometia loucuras para ver atuar um artista que gostasse muito: adoro o Pedro Abrunhosa, mas não pagava mais do que 30€ para ver um concerto. À medida que sustenta a argumentação, irrompe como som de fundo uma peça televisiva acerca da polémica na qual Pedro Adão e Silva está envolto, Estou farta de ouvir falar neste Adão e Silva, só polémicas, só polémicas, só neste país, só neste país, que diabo!, passa-me a salada de pimentos, por favor, e serve-me esse arroz de tomate, não quero gabar-me, mas aposto que está um petisco. A leitura frenética e o tom agudo ajudam a conceber mentalmente aquilo que em minha casa se passa.
O cérebro de minha mãe nunca fez uma sesta em espreguiçadeiras. A capacidade que possui, estimulada pelo amigo de longa data, de percorrer uma centena de assuntos enquanto almoça ou janta em família assemelha-se à destreza com que ministros e secretários de Estado abandonam – inadvertida ou propositadamente – um governo repimpado em escândalos absolutos. Foi engraçado assistir aos desvarios e às reviravoltas ao nível da conversação durante uma refeição, qualquer que ela fosse, principalmente quando empurrávamos os cozinhados com maduro tinto ou maduro branco (cá em casa, ao contrário do que era expectável, o verde causa azia). Se o combustível for incolor e inodoro, perde metade da piada, asseguro-vos.
Indiscretamente, já questionei Fernanda sobre a razão pela qual mistura conteúdos e a resposta que obtive encerrou a habitual desculpa, Tenho muitos anos de trabalho e estou a ficar cansada, para além do mais estou a entrar numa fase difícil para as mulheres, nomeadamente no que diz respeito às perturbações génito-urinárias porque se traduzem na atrofia da mucosa vaginal com secura que provoca irritação e dores associadas às relações sexuais, sabes como é, a idade não perdoa, estou farta de aturar as clientes e de lidar com povinho, mas não vamos falar de trabalho senão irrito-me já, como correu o teu dia, bem ou mal?, estes vidros da portada estão todos borrados e esta sala está imunda, uma pessoa passa a vida a limpar e está sempre tudo sujo, não percebo, Santiago, come tudo aquilo que te pus no prato, senão não sais daí, quero que me tirem as notificações que caem no telemóvel porque eu não pus nada disto quando o comprei.
Temos de continuar a dialogar seriamente sobre os diferentes métodos que possibilitam a transmutação das temáticas que compõem o diálogo. Não percebo isto de utilizar a expressão “temos de falar sobre x ou y” quando o texto se traduz no elemento que giza a comunicação, mas também não quero levantar problemas.
Nos tempos que correm, abundam ações judiciais por tudo e mais alguma coisa e eu não pretendo ter o meu nome nos ficheiros (não) secretos do Ministério Público antes dos 30 anos. Ultimamente os meus ouvidos têm conversado imenso com Sérgio Godinho, trauteio imenso a sextilha “Mas isto é um canto / E não um lamento / Já disse o que sinto / Agora façamos o ponto / E mudemos de assunto/ Sim?” e dirijo-a a minha mãe, mas ela finge não entender. O meu irmão demora uma eternidade para comer um prato composto por arroz e bifes de frango. Não sei de que forma é que posso arrastar as portadas da janela da sala sem deixar dedadas no vidro porque a abertura é demasiado estreita e eu possuo dedos esguios. Só espero que o que acabei de confessar sobre Fernanda não diga respeito a uma patologia atávica.
P.S: Caso seja, transformarei o meu discurso em diversos fragmentos literários e as vendas do Se Numa Noite de Inverno Um Viajante cairão abruptamente.
P.S 2: Para a elaboração deste texto, foi visitado o website da CUF e retirada informação sobre a menopausa.