OPINIÃO: A utilização de termos em latim seria o tema da crónica, se 1979 não a tivesse conduzido noutro sentido

Desinteresso-me até certo ponto

Se pensarem bem, aquilo que é vulgar e desinteressante pode suscitar curiosidade.

– “Uau!” – exclamam vocês impressionados com a genialidade.

Todos rimos muito, antes de alguém me acertar com um pau de marmeleiro nas costas.

Se querem falar em pontos nos i’s, então falemos. O tom corrosivo chegou mais cedo do que o previsto. Temos pena, vocês quiseram assim. Ai isso é claro, claro, mais claro do que a clara do ovo. Os primeiros dias de 2024 tem sido um fartote de aborrecimento à pala da dissolução do governo de António Costa. A culpa de tudo está na política e é sempre mais fácil quando utilizamos – ainda que indiretamente – a expressão à qual a Grécia Antiga deu nome para absolver frustrações e desencantos. Ninguém é santo, não venham com retórica para cima de mim.

O ponto mais alto de domingo passado foi acompanhar in plena o discurso de um menino na Convenção da Aliança Democrática, no Estoril. O emprego do termo em latim podia fazer de mim um cronista conhecido, mas não faz. Por norma, as pessoas que empregam termos em latim, empregam os mais conhecidos. Não sei quais são, mas já os li. Sei pronunciar o “ad hoc”, porque não tem como ser mal pronunciado. Empregam-se muitas vezes termos, já repararam? Nunca se contratam termos, investem termos, aplicam termos. Sob o ponto da inclusão lexical, o português deixa a desejar.

Entretanto, perdi-me. Ah, já sei. O discurso do menino. Disperso, entusiasta para lá do quanto basta, mais cómico do que trágico, altamente coreográfico, frequentemente aplaudido. Portugal! Portugal! Portugal! Três chamamentos, mas nem toda a plateia respeitava o cântico: mal retomava a palavra, o menino era brevemente interrompido por alguns “Portugal” e vês de vitória. A coordenação destes episódios exige treino, rigor e concentração. As legislaturas alcançam-se nos detalhes e o atual Presidente do Partido Aliança sabe disso. Até 10 de março, acredito que a coreografia seja o menor problema que o Partido Social Democrata (PSD) tenha na sua agenda.

A quantidade de gargalhadas que o menino arrancou aos convidados impressionou-me. Ele não foi convidado, apareceu de surpresa e trouxe comicidade. O país tem sofrido tanto nos últimos meses. Deviam ter contemplado a reação dos líderes da coligação de direita – Francisco Sá Carneiro (PSD), Diogo Freitas do Amaral (CDS) e Gonçalo Ribeiro Telles (PPM) – quando o menino chicoteou o Partido Socialista com a sua fina ironia e com um fervor cor de laranja vivo. Aquele menino promete! No futuro, verão que o que digo tem razão de ser! A receção apoteótica está ao alcance de poucos, muito poucos. Provem o menino e depois digam de vossa justiça: se é suculento e estaladiço, ou se é duro e intragável.

Em O Avarento, Flecha é o confidente do público e o responsável pelo perpetuar do riso entre o mesmo. Dirige-se a Harpagão como tirano, mesmo sub-repticiamente. Diverte a plateia porque inverte um interrogatório que, a princípio, lhe era destinado. Ouvir, vivere, o discurso do jovem político transportou-me, de imediato, para o momento em que li a peça de Molière e comprovei a audácia de um criado que salva a trama e que não sucumbe ao caráter despótico do seu patrão. Lá estou eu outra vez com os termos em latim. As influências são tramadas. Mesmo que nos queiramos distanciar e dar cunho àquilo que escrevemos, não o fazemos in toto. Estão a ver? É complicado abandonar os artigos e crónicas que li.

Onde é que nós íamos? Ah, sim. Estava em Molière. O menino é um Flecha bem mais divertido e sagaz do que o original. Um dos jovens mais promissores deste país a fazer carreira política ao leme do Partido Social Democrata e a difundir os ensinamentos/princípios que Francisco Sá Carneiro trouxe para a Direita. A meu ver, o futuro líder do partido e de um futuro governo em Portugal. Uma pessoa próxima de si contou-me que é um adepto fervoroso do Sporting Clube de Portugal e que, um dia, sonha vir a ser presidente de um dos maiores clubes portugueses. Só o menino está apto a alcançar a amálgama do sucesso no futebol e na política. Não tenho dúvidas disso.

Esperem lá… que dia é hoje? FMI! La la la la la la la la FMI!

Perdoem-me este desvario! Sentia-me melhor se não abordássemos o quão preocupante pode ter sido este surto psicótico. Grato pela compreensão que reconheço em vós! Fui parar a 1979 por alma de quem? Ainda nem um feijãozito era, nem o mais pequeno dos espermatozoides. Ouvi a música dos Smashing Pumpkins recentemente, mas não deve ser por isso. Não há qualquer ligação entre juventude a fazer asneiras e juventude bem comportada como o menino. Talvez seja do filme que vi na noite anterior. Uma Mulher sob Influência, de John Cassavettes. Intrigou-me de verdade toda aquela loucura da protagonista, Mabel Longhetti. Passaram três dúvidas e permanecem dúvidas quanto à perceção de toda a trama. Pormenores, nem vê-los. Numa segunda ou terceira visualização, quiçá.

Não me recordo dos últimos 20 minutos. Queria falar-vos das pessoas que utilizam termos em latim com elevada frequência. Pergunto: para quê? A geração Z não aprendeu latim, a menos que escolhesse um curso de Literatura qualquer. Uma pessoa não chega ao que querem dizer apenas com a leitura, tem de procurar o significado na internet ou no dicionário. O grande problema de Portugal é a perda de tempo com coisas que não valem o esforço empregado. Sem espaço para a inclusão social. E da política. Mas isso é claro, claro, mais claro do que a clara do ovo.

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