OPINIÃO: Alerto todo e qualquer bípede para a (in)conveniência da brincadeira

Romão Rodrigues, Mestrado em Jornalismo e Comunicação

Desinteresso-me até certo ponto

Se pensarem bem, aquilo que é vulgar e desinteressante pode suscitar curiosidade.

– “Uau!” – exclamam vocês impressionados com a genialidade.

Todos rimos muito, antes de alguém me acertar com um pau de marmeleiro nas costas.

Alerto todo e qualquer bípede para a (in)conveniência da brincadeira. Não será, certamente, novidade para muita gente, mas há sempre um ou outro mais distraído e com a cabeça a bordo de um dirigível. Não quero sovietizar ou americanizar o meio de transporte porque, apesar de ainda morfar Cerelac como gente pequena, não possuo tenacidade suficiente para andar com queixinhas. Aprecio uma boa queixinha – de vez em quando -, mas ultimamente tenho sido conduzido por via da imaginação a festins de chinfrineira, ranho e acessos de fúria que só admito a Joe Talbot, a Basil Fawlty ou a qualquer adepto do Sporting CP.

As brincadeiras são-no até ao primeiro enfurecer e à primeira volta ao bilhar grande. Mark Twain, n’O Príncipe e o Pobre, quis brincar com a sociedade inglesa e com a cúpula real. “Bem, e se eu construir uma narrativa que gira em torno de dois miúdos – que representam, alegoricamente, a abundância/riqueza e a pobreza/indigência – e arranjar maneira de alternar os seus estilos de vida!? O que pode acontecer de grave? Ser condenado à morte? Por favor, estamos no século XIX!”. Literariamente, o pequeno príncipe sofreu imenso ao enxergar a violência e a agressividade que o (falso) pai lhe administrava. Na vida real, Mark Twain continuou a brincar, hilário, até se finar.

Quando se é adulto – expressão que destaco – brincar na vida real corre mais vezes mal do que bem. A menos que nos encontremos amarrados à ficção, brincar tem de ser em pantufas, pé ante pé, com um milhão de cuidados e condicionantes porque a pessoa pode não perceber, zangar-se a valer ou até indignar-se ao ponto de nunca mais querer ver a fronha do pequeno terrorista que a deixou de rastos. Pobre criatura, sentou o rabo no pequeno objeto pontiagudo – “pionés” é das palavras mais castiças que conheço –, injetou doses e doses de histerismo enquanto bradava agudamente e disparou insultos à queima-roupa.

Aos adultos, pouco se tolera em termos de troça. Uma das razões para as desgraças que ‘graçam’ no globo – qual Sam The Kid a rimar entre linhas e em prosa! – pode ter origem na repressão contínua de práticas salutares. Se a primeira invasão da História começasse por ser uma brincadeira, hoje em dia, invadir estados significaria, mais cedo ou mais tarde, uma taina entre todos os envolvidos, com porco no espeto e vinho de garrafão. Neste momento, podíamos estar a assistir a uma guerra de almofadas entre a Rússia e a Ucrânia, com uns candeeiros partidos ou uns estrados de umas quantas camas. Mas nada mais do que isso.

Agora, atirar baldes de água às pessoas é criancice “porque não tem jeito nenhum e porque a pessoa fica molhada”. Quem diria que a pessoa que levasse com água ficaria encharcada, nunca pensei; assustar a pessoa com um “boo!” – dificuldade e muita pesquisa para escrever a interjeição corretamente – também é má ideia porque influi com uma série de mecanismos corporais e a pessoa pode padecer de um ataque de pânico, cardíaco e outros que desconheça. Certo, pode sucumbir, mas também pode só ficar com cara de tansa a mirar-nos e a refletir através da retina a expressão “quero praticar homicídio neste momento” em letras garrafais; colocar pasta dos dentes ou creme corporal nas mãos e na cara de alguém que esteja a repousar é má vontade e desrespeitador porque o mau humor passa a ter razão de ser e porque não se perturba o descanso do ser humano. Errado, a pessoa devia agradecer-nos porque já lhe poupamos uma tarefa e já lhe sugamos uns minutinhos ao nível da higiene pessoal. E, mesmo que a dita cuja odeie creme, não se livra de proteger a pele de irritação e da falta de oleosidade de que necessita.

Tal como Mark Twain, eu bato-me por um mundo no qual a brincadeira seja aceite, avaliada sob recurso a vários parâmetros e vingada. O poder de retaliação em Portugal está vivo ou surge somente soterrado em matéria irreal? Ignorar este assunto e chamar-me nomes feios não resolve a situação. Depois, pasmem-se pela chegada depressivos. Eu aviso, tento alertar para o flagelo, desmistificar aquilo que parece o primeiro passo para a morte. Ninguém dá ouvidos. Está tudo mais preocupado com o Europeu de Futebol que se realiza na Alemanha daqui a dias e com as hipóteses que Portugal reúne para se consagrar, com as eleições em França porque uma caneta também escreve fora do país (como se de uma surpresa se tratasse!) e com o elenco do canal televisivo Now, que se junta à grelha a partir de 17 de junho.

A seriedade é a doença e a negritude. A brincadeira é a existência. Se atentarmos na ironia da vida, até a morte se cansa de nos ter por cá quando não fazemos patetices. Quando estamos acostumados e dentro das dinâmicas aborrecidas, a morte toca-nos no ombro e diz “Estava a brincar, camarada! Para a próxima, deixo-te ficar mais tempo”. Brinquem à vontade, porque daqui a nada dizem-vos para lavarem bem as mãos e para participarem num jantar onde só se ouve o ruminar dos alimentos e o chocalhar dos talheres.

Rasguemos as convenções. Adultos, brinquem com os restantes adultos! Não temam! Não cedam à pressão do olhar social! Emancipem-se!

P.S: Ah! Já me esquecia! No princípio, contem com uns estalos, uns pontapés, uns empurrões. Dói, mas habituam-se. Depois, escolham novos amigos e familiares e reiniciem o jogo! Garanto que será divertido!

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