Desinteresso-me até certo ponto
Se pensarem bem, aquilo que é vulgar e desinteressante pode suscitar curiosidade.
– “Uau!” – exclamam vocês impressionados com a genialidade.
Todos rimos muito, antes de alguém me acertar com um pau de marmeleiro nas costas.
O “Desinteresso-me até certo ponto” encerrou temporariamente (15 dias) para descanso do pessoal. O conjunto de pessoas comandadas pelo autor da rubrica acusou a exasperação compreendida entre a última metade de 2023 e a primeira de 2024 e decidiu, coletivamente, recarregar baterias junto das suas famílias, nas estâncias balneares à escolha do fiel e bem remunerado trabalhador. O manda-chuva, que nas duas semanas antecedentes às férias dos trabalhadores havia reservado o período para a cessação dos movimentos profissionais, esteve, afinal, um mês sem dar guarida às preocupações dos seguidores do projeto.
Face à matéria explanada, dirijo, em primeiro lugar, um pedido de desculpas a todas as pessoas que nos seguem e que clicam sobre o link da crónica quinzenal, às quintas-feiras (e, principalmente, às que o fazem em detrimento da leitura de rótulos de produtos higiénicos expostos na casa de banho e da energia que empregam noutras atividades no mesmíssimo local); em segundo lugar, findo o mea culpa, endereço a jactância e a filáucia característica de seres proprietários de múltiplos projetos e extremamente empreendedores: vós, pessoinhas, não fazeis ideia da preparação e da logística envolvidas na rubrica, nos esforços e na capacitação de uma equipa recheada de talento, desde a função mais inconspícua até à desempenhada pelo cérebro da operação. Só Deus está a par dos meus afazeres.
Ao contrário daquilo que possam pensar, um mês de interregno para quem aborda e abeira a intemporalidade que eleva a Alta Crónica é altamente vantajoso. O burburinho oriundo das conversas de café, os elogios que oiço vindos do fundo da ruela enquanto as calças da Levi’s velam as minhas coxas, a interpelação “Ui! Olha ele, olha! O episódio desta semana está soberbo. De facto, quando somos geniozinhos, a intemporalidade é já ao virar da esquina” sempre que tomo café e o alerta “este país não lhe dá o valor que realmente merece. Nunca aproveitamos a nata e, muitas vezes, até ficamos com a parte folhada que já tem uns quatro/cinco dias. É uma metáfora, o jovem entende”.
O mérito não é só do líder. (Do líder, não do patrão. Se forem cidadãos ativos no LinkedIn – ou numa plataforma onde conste a contenda vocabular – certamente estarão cientes da diferença entre os dois termos). O mérito é, em larga escala, da equipa à qual eu recomendo tarefas, ao invés de impingir funções. O mérito é da equipa abnegada e exemplo de tolerância face às muitas epifanias que, em fugazes momentos de insanidade, assaltam a composição de mais um episódio. O mérito é daqueles que, por desconhecimento do público, preparam os acepipes e calculam o tempo que dista da disposição das espirituosas no frigorífico até à proclamação – a solenidade do ato assim o justifica – do pedido, facto que permite a apreciação e o sugar de toda aquela experiência, pode dizer-se, gastronómica (?). Quem não é visto não é lembrado. Infelizmente, é bem verdade.
Diz-se e dizem-me que estou num bom patamar para alguém pouco ou nada conhecido como cronista ou contador de estórias. Traço aqui a minha discordância: estava num nível bom há cinco/sete crónicas atrás; agora, estou num nível superior ao nível elevado. Portanto, atentem na evolução! A falsa modéstia tentou arruinar-me a carreira, mas eu dei a volta. Os críticos olímpicos que pairam no universo digital quiseram abalroar-me com insultos que, ao serem protagonizados por qualquer espécie animal irracional ditavam auto-extinção da mesma, mas fui mais forte e superei. Pergunto-vos se os mais fortes não merecem vencer. Quase que vos adivinho a resposta. Odeio tapar o sol com a peneira, até porque a uso para joeirar a farinha para fins de culinária da farinha que uso em brincadeiras com amigos e colegas de trabalho (muitas vezes, os dois mundos confluem). Insurjo-me contra todo o tipo de “deitares-abaixo” e este é um deles.
Neste momento, devem estar a questionar o grau de confiança que me aconchega. Podem não crer na informação que se segue, mas di-la-ei sem medo: já fui como vós, uma mente mais cerrada do que as ervilhas da Iglo e um marasmo existencial à semelhança de atuais líderes dos partidos construtores do sistema democrático em Portugal. Felizmente, cresci muito em muito tempo. Um mês dá para muita coisa, caríssimos. Comecem por relativizar os arranjos penianos e vaginais que miram quando passam numa praia onde se pratica nudismo, por cortejar e abordar meninas checas – não, não precisa de se deslocar à Chéquia – enquanto o DJ transita de J Balvin para Rosinha, por inspirar e expirar fundo, ao acordar, proferindo, de seguida, “o sucesso está ali ao fundo: falo com o capitão do navio para trazer mais caviar e champagne para a esplanada ou ancoramos aqui porque está a escurecer?” e por aprender a vestir a peça que cobre o tronco sem manchá-la de desodorizante (formato creme).
O coletivo é muito forte. Quem leu “Esteiros”, de Soeiro Pereira Gomes, sabe da importância que o coletivo assume: Sagui, Gineto, Guedelhas, Maquineta e Gaitinhas formam um quinteto solidário e unido num Portugal cinzento e convidativo ao pesadelo. Aqui as regalias são outras e não abrimos a porta à analfabetização e à miséria. Todavia, porque nem tudo é um mar de rosas, uma semelhança persiste: os lobos frontal, parietal, temporal e occipital são vítimas – mártires até – da exploração infantil e de uma persona que os conduzirá ao negrume de uma vida sem esperança e sem sonho.