OPINIÃO: Bom, isto passou-se. Entretanto, o meu nome estará no Guinness…

Romão Rodrigues, Mestrado em Jornalismo e Comunicação

Desinteresso-me até certo ponto

Se pensarem bem, aquilo que é vulgar e desinteressante pode suscitar curiosidade.

– “Uau!” – exclamam vocês impressionados com a genialidade.

Todos rimos muito, antes de alguém me acertar com um pau de marmeleiro nas costas.

“Ele já namora com outra fulana, vi no Facebook. Ele alterou o estado civil e eu notei que a fotografia era diferente, porque conhecia a anterior namorada. Era lá da minha terra”. Quero captar o resto da conversa, mas a marcha impede-me. À medida que me afasto da perfeita desconhecida, caminho para o ouvido de um surdo. “Não podia ser, Fernando. Estou-te a dizer que não podia ser! Via-se bem que não era calcário. Eu trabalhei em canalização muito tempo, pá. Sei do que falo!”. Retomo o trilho para o inaudível até finalizar a caminhada que me deixou os músculos a marinar.

Bom, isto passou-se. Quatro elementos pertencentes a um grupo dispuseram-se em dístico (porque a poesia está na rua) à conversa. Até aqui, nada digno de destaque ou capaz de conduzir – num acesso de loucura libidinosa – a baixar as calças.

A primeira análise é realizada a uma distância considerável do cruzamento e perfeitamente alcançável pelo mais comum dos mortais. Os principiantes são dotados de primeiro avistamento. Se é o início de um belo e prazeroso caminho pelo mundo da observação e da análise? Pois, com certeza. Mas nem todos passam no exame final. Os procedimentos técnicos têm de estar na ponta do olho. E muitos olvidam o primeiro contemplar.

O segundo olhar destina-se somente aos predestinados. Não quero estar a gabar-me, mas sou um desses. Para esta conquista contribuíram todos os treinos intensivos, o queimar da retina na bibliografia de autores de nomeada, os primeiros estágios sem remuneração, a experiência no estrangeiro e as dificuldades que lhe estão associadas: de maneira a clarificar, recordo o regresso aquando de épocas festivas (no Natal, na Páscoa e na Feira de Enchidos, Queijo e Mel) e a perda de sensibilidade na córnea pelo facto de não reconhecer o semblante dos progenitores no ponto de recolha do aeroporto. Instalei-me dias a fio em casa de desconhecidos (pensava eu!) e ocorreram cenas desagradáveis – envolveram um maçarico, um carteiro e uma sopa de legumes – que não mencionarei.

No caso descrito no primeiro parágrafo, comprovei a existência de dois homens e duas mulheres. Em dois/três segundos, fiz o que me competia. A diferença entre um profissional e um amador ficou patente. A identificação do género do ser com o qual nos cruzamos está sujeita a distrações de ordem variável, desde acidentes a defecações de animais no passeio, passando por brados de transeuntes convencidos de que aquele é o momento ideal para pôr termo à vida. Nada contra.

Aliás, tais acontecimentos só valorizam mais este ofício. Quem gosta de rigor e minúcia, tem de estar preparado para todos os imprevistos e inconvenientes.

Perguntam – e mal! – o que é feito da terceira análise. O Homem exaspera por esta excentricidade. A existência de algo em terceira ordem transforma-se numa necessidade comezinha à semelhança do The Godfather III. Embirra-se somente “porque se quer” e “porque é preciso”. Não, não é preciso. A comunidade académica, embebida no espírito da ordenha e da pastorícia, envida esforços a fim de encontrar os resultados que comprovam a terceira análise. Eu, dissidente me confesso.

Contudo, muno-me do compromisso que assumi para exaltar a escola de observação e análise a que pertenço.. Apesar da Ciência conferir crédito às opiniões oriundas da sociedade civil e estar subjugada às patranhas de um Estado que promove a ignorância, continuo convencido do facto de a formação que instruiu milhares de pessoas – comigo incluído – é a que serve os interesses de Portugal e não se serve dos interesses de Portugal. A corrente que advoga apenas o primeiro avistamento e que percorre o caminho que resta até ao cruzamento com os visados de cabisbaixo e de cócoras não tem perfil nem estofo para liderar um país com propósito e sentido de responsabilidade.

Num cenário em que a vitória da escola da primeira observação e análise única fosse uma realidade, a situação descontrolar-se-ia e a anarquia reinaria, pois entraríamos no domínio da probabilidade. Nem imagino a agitação que deve pairar na vossa cabeça só pelo simples exercitar. Peço-vos serenidade, não vale a pena entrar em utopias. Certas pessoas são débeis no que respeita a controlar a excitação que a utopia causa e acontece vómito, após regurgitarem vezes sem conta.

Ah, sim, o conteúdo dos dois diálogos. Entretanto, esqueci-me. Pensei numa série de ideias para aprofundar cada um dos temas, mas a mente guiou-me para algo que me sufocava faz tempo. Para terminar, duas possibilidades: é possível que o avistamento da primeira mulher canalizadora na posição de desconhecido seja da minha autoria e é possível que não haja um homem com idade superior a 65 anos e com apenas três dedos numa mão a fazer scroll tão rápido quanto aquele.

P.S: Para o universo dos não predestinados, uma dica: o segredo para passar à cadeira da primeira observação é calcular mentalmente o tempo de cruzamento com o ser que se avizinha e, de imediato, fazer uma espécie de vénia com o pescoço, levantando a cabeça lentamente. Se continuarem a fechar os olhos sem baixar a cabeça, vão chumbar novamente.

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