OPINIÃO: monólogos reProváveis

Ana Patrícia, 19 anos, Estudante de Ciências da Comunicação na Universidade do Minho

Escrevo sempre com o sumo do mundo, com as laranjas e limões que espremo, das árvores onde me agasalho do sol. Faz algum tempo que não piso a calçada, que não tropeço em paralelos nem sou invadida por areias de obras alheias. Custa-me agora lembrar da última vez que esperei que o sinal ficasse verde para avançar, não porque me atiro para a passadeira como um daltónico desesperado, mas porque não poiso os calcanhares sobre o alcatrão há mais do que posso auferir.

Ter como base, para a escrita, o dia-a-dia, a convivência, a interação, revela-se um problema quando tenho unicamente socializado com a tinta das paredes, a madeira das mobílias e com os livros que vou arrumando nas prateleiras do quarto.

Acontece que não tenho feedback, passo importante na comunicação e, dados os monólogos, o convívio revela-se nulo. Ainda que seja possível conversar com os meus botões e baralhar-lhes o lugar, não me é possível partir para a escrita de forma crítica e construtiva.

Quando me vejo perdida nestes solilóquios reprovo-me unicamente a mim e não sei distanciar-me do meu eu ao ponto de discorrer uma página sobre todos os defeitos que coleciono, com o intuito de ser capaz de os generalizar sem voltá-los para mim. Não consigo globalizar os próprios defeitos a fim de censurar o absoluto, talvez por um ego desmedido ou por um perfecionismo ridículo.

As palestras que enuncio a solo e sem plateia chegam-me para pouco quando as interrompo, pronta para me entregar à guilhotina ou a órgãos superiores de condenação. Isto porque sinto um peso de culpa e angústia pela má índole que me caracteriza. Parece-me penoso autocriticar-me, não por achar que o desmereça, mas por vergonha. Fica a pairar sobre o meu couro cabeludo uma espécie de coroa de constrangimento que me escorre pelos ombros. Regra geral direcionamos sempre as críticas ao longínquo, ao vazio e ao abstrato e isso não acontece por acaso.

“E porque reparas tu no argueiro que está no olho do teu irmão, e não vês a trave que está no teu olho?” Esta sentença, no sentido de frase, conquanto de poder resultar em sentença de morte, ficou-me na memória. Um argueiro é um cisco, coisa de dimensão reduzida face à trave. Dito isto, e não me querendo alongar mais na explicação, serve esta oração, no sentido de frase, conquanto de funcionar como oração católica, para frisar a crise pessoal de retirar as palas dos próprios olhos, mas julgar o outro que tem apenas um véu a cobrir-lhe parte do rosto.

Baseado na Distopia Moderna

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