OPINIÃO: A urgência de um certo tempo

Simão Mata, Psicólogo

O filósofo Santo Agostinho quando lhe perguntavam o que era o tempo afirmava desconhecer o seu significado. Dizia que só sabia o que era se não lhe perguntassem. O tempo é daquelas entidades que estão tão enraizadas nas nossas vidas que deixamos de ter sobre ele qualquer recuo reflexivo. Torna-se, por isso, importante parar o tempo, escutar os seus silêncios mudos e os ensinamentos decorrentes dessa estagnação temporal. Advogo, por isso, neste texto, a necessidade de recuperar um certo tempo, não o tempo que nos permite realizar a atividade X ou Y mas o tempo da lassidão, da preguiça, da demora e da contemplação. Eis um tempo que falta e que urge recuperar.

Ouvimos recorrentemente na nossa vida quotidiana a expressão: “Anda, avança que eu agora não tenho tempo”. Vivemos num mundo apressado, que tinge relacionamentos efémeros e superficiais. Funcionamos em contextos com uma atrofia considerável da possibilidade de escuta. Necessitamos, pois, de um tempo, não de um tempo lógico ou cronológico, mas de um tempo necessário para a maturação e elaboração dos nossos medos, das nossas ideias obscuras e dos sentimentos bizarros que todos, sem exceção, apresentamos. A vida atual desenrola-se num tempo à pressa: pressa nas relações com os filhos, pressa nos relacionamentos amorosos, pressa nas relações de trabalho. A constrição do tempo atual, colocando-o à mercê de uma lógica meramente funcionalista e mercantil, centrado na produção de tarefas em sequência, torna-nos vazios de substância humana, criando episódios de acentuada solidão, desespero e ansiedade. Necessitamos, pois, de um certo tempo para nos reabilitarmos, para possibilitarmos uma vida social mais coesa, justa e igualitária.

O filósofo germano-coreano Byng-Chul Han no seu livro “A sociedade do cansaço” apresenta algumas consequências desta sociedade que não escuta, a sua hipervigilância e controle: “Ao desaparecer a descontração, perde-se o “dom da escuta” e desaparece a comunidade capaz de escutar. Esta comunidade está nos antípodas da nossa sociedade ativa. O “dom da escuta” assenta precisamente na capacidade de prestar atenção profunda e contemplativa, capacidade vedada ao ego hiperativo dos nossos dias” (p. 27). Ainda de acordo com o autor, a perda da nossa capacidade contemplativa (vita contemplativa) é indissociável dos processos de fragmentação da atenção associada ao multifuncionalismo (multitasking) que marca a nossa vida atual. Mas, de forma paradoxal, este tempo que necessitamos que “estique” prova, ao mesmo tempo, a dificuldade que temos na criação de atividades que tenham começo, meio e fim. A apologia da “arte da demora” é defendida pelo autor num outro livro, “O Aroma do Tempo – um ensaio filosófico sobre a arte da demora”, em que Han refere: “A aceleração atual tem a sua causa na incapacidade geral de acabar e de concluir. O tempo aperta porque nunca se acaba – nada conclui porque não se rege por gravitação alguma. Portanto, a aceleração exprime que se romperam os diques temporais” (p. 14). Precisamos, por isso, de recuperar um certo tempo perdido para que não nos percamos no seio das nossas preocupações mundanas em torno da falta de tempo para tudo e para coisa nenhuma.

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