OPINIÃO: Cada vida é uma vida

Caro leitor,

Pretendo que este não seja, apenas, mais um artigo de opinião sobre o tão mediatizado conflito que infelizmente assola o Médio Oriente. Começo por vos falar de empatia, uma condição inerente à nossa natureza, e que, em última instância nos torna humanos. É a força motriz que nos leva a fazer algo pelo outro, sendo paradoxalmente, uma grande fonte de discriminação que nos faz – quase de forma imediata – hierarquizar o ser humano por camadas morais. Isto tudo faz com que, moralmente, umas vidas valham mais do que outras. E isto é abruptamente triste.

Sem prejuízo por isto, apelo, antes de continuar, a uma leitura despida de preconceitos, de preceitos ideológicos e religiosos. Apelo a que se afastem da narrativa, inconscientemente enraizada, de que uma vida parecida com a nossa, vale mais do que outra, simplesmente por essa outra ser culturalmente diferente ou distante. Eu sei que é um exercício difícil mas apelo que a leiam este artigo e pensem que estamos a falar de vidas humanas, cada uma delas com o mesmo valor.

Comecemos então. Desde 1948, a violência tem acompanhado a interação entre Israel – Palestina, com incursões tanto de um lado como do outro. O fundo da questão que tem, desde então, oposto estes dois países é o domínio de um território que ambos, por diferentes motivos, reivindicam. E é aqui que é importante assumirmos uma posição. E é aqui que, inegavelmente, defendo a Palestina. Uma Palestina livre.

Israel, com o patrocínio da sociedade das nações, encabeçada pelo Reino Unido e os EUA, sob um falso preceito de perdão histórico, ocupou indevidamente um território que à data se chamava Palestina. Muito aconteceu até chegarmos ao ataque levado a cabo pelo grupo terrorista Hamas mas não podemos ignorar, quando se apuram responsabilidades, o regime de Apartheid, imposto por Israel desde 2005, num sistema de colonatos, isolando economicamente a Palestina (agora apenas composta pela Faixa de Gaza e a Cisjordânia) do resto do mundo – regime este ilegal quando toca ao Direito Internacional, como foi já reiterado pela própria ONU.

Por isto, é necessário humanizarmos o povo da Palestina. Desde 2005 que, na Palestina, os serviços de saúde são precários, que as vacinas não chegam, que não há eletricidade todo o dia, que os mantimentos são contados e escassos, que os palestinianos são militarmente controlados por autoridades israelitas, que não há liberdade de circulação por parte da população, que há detenções e mortes arbitrárias – mesmo de menores e crianças. E tudo isto, sem querer justificar a proliferação de células terroristas, conduz e leva a radicalismos e extremismos.

Importa também distinguir o radicalismo do grupo terrorista Hamas da Palestina ou dos interesses do povo palestiniano. O violento ataque perpetrado, as mortes e os reféns que do mesmo advieram, são inadmissíveis e devem ser severamente puníveis pelo direito internacional humanitário. Tal é inquestionável. E foram proeminentes as vozes que se ergueram, e bem, para condenar os ataques do grupo Hamas. Contudo são estas mesmas vozes, muitas delas de atores políticos, que se mantiveram em silêncio perante a violência levada a cabo pelas forças israelitas sobre o povo palestino desde que ilegalmente impuseram o seu poderio militar. Palestina esta, onde a idade média da sua população ronda, desde então, os 17 anos.

Todo o ato de barbárie é, sem exceção, desumano e condenável, quer seja levado a cabo por um grupo armado quer por um estado soberano. Uma vida não vale mais do que outra, uma morte palestiniana deve ser tão impactante e revoltante como uma morte israelita, e importa considerar que muitas mais vidas palestinianas foram perdidas desde o bloqueio económico que, apesar de intensificado na última semana, já dura, na Palestina, há mais de 16 anos.

A resposta desproporcional do estado de Israel ao ataque militar não tem legitimidade perante o direito internacional humanitário. A intensificação do bloqueio económico – o total corte da eletricidade, de água potável e mantimentos – viola os princípios da proporcionalidade e da distinção, comportando crimes de guerra gravíssimos e que levarão à morte milhares de civis inocentes. A destruição militarizada de um território não destrói uma ideia, apenas condena inocentes. O terrorismo é uma ideia, e não deixará de existir, e Israel tem consciência disso.
Israel tem efetivamente direito à legitima defesa, mas este exercício excecional da força tem que, necessariamente, obedecer a certos critérios de proporcionalidade e legitimidade, que não são aplicáveis. Israel, ao invadir militarmente, com bombardeamentos indiscriminados e sistemáticos, os territórios da Palestina está a praticar genocídio e a fazer uma limpeza étnica, não havendo argumento, ao nível do direito, que legitime esta atitude. Mais uma vez, o Hamas não é a Palestina e a Palestina não é o Hamas, mas quem vai sofrer com este ataque, não é o Hamas, é a Palestina.

O Ocidente apoia e aplaude a destreza de Israel, quase da mesma forma que apoiou a Ucrânia aquando da invasão russa, fingindo que isto não é contraditório. O sentimento de permissividade que transmitimos a Israel, quase congratulando-o pela ‘consideração’ em dar 24 horas para o povo palestino (composto por praticamente 2 milhões de pessoas, onde quase metade crianças) para abandonar o seu país – repito, o seu país -, é algo que, em 100 anos, será abordado nos livros de História. E o pensamento dos estudantes desse tempo será “como foi possível?”, da mesma forma que todos nos questionamos como foi possível levarem-se a cabo todas as atrocidades do século passado. E tudo isto, repito, é muito triste.

Por fim, a resposta, sob a forma de ultimato, de Israel é inaceitável e não trará nada de bom para nenhum dos intervenientes. Não pode haver, por parte da sociedade das nações, qualquer tipo de relativismo moral ou ideológico que legitime isto. Muitos inocentes já morreram – cerca de 1.300 israelitas e 2.200 palestinianos – e muitos mais morrerão, tanto palestinianos como israelitas.

Todas estas vidas importam.

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