Desinteresso-me até certo ponto
Se pensarem bem, aquilo que é vulgar e desinteressante pode suscitar curiosidade.
– “Uau!” – exclamam vocês impressionados com a genialidade.
Todos rimos muito, antes de alguém me acertar com um pau de marmeleiro nas costas.
Então não é que estamos a poucos dias de uma das decisões carregada de deferência? Então não é que uma das situações mais intrincadas da actualidade pode ser solucionada imediatamente após a mudança de protagonista ao nível do dirigismo político? Então não é – já sobre o céu português – que a zona centro do país tem padecido de tumultos que opõem moradoras dos bairros e a polícia? Então não é que se realizaram ajuntamentos de pessoas nas ruas de Lisboa, quer para homenagear Odair Moniz e para combater a violência policial, quer para demonstrar apoio às forças de segurança? Então não é que um canal televisivo público possui banhas e zonas repletas de sebo e se estuda a matéria a fim de convencê-lo a ingerir Drenafast Bikini Express, Spirulina ou Seca Barriga?
Face às vicissitudes e aos acontecimentos mais recentes, adoraria encerrar a sagacidade e o olho clínico sobre os assuntos que mencionei no parágrafo anterior, durante páginas e páginas, envolto nos truques e artimanhas ao nível do discurso utilizados na Assembleia da República, nas participações televisivas e nas plataformas digitais. Mais! Analisar a problemática que cerca um grupo de Telegram onde constam fotografias de mulheres – sem o consentimento destas, espécimen de um mercado negro da Fotografia – não constitui uma recreação à qual saiba responder, doseando o apuramento e os desvios vocabulares. Sim, eu compreendo a desilusão causada. A temática “mulheres” é-me querida e cara, mas não sou obrigado a edificar juízos sempre que alguma notícia visa o género. Pode não parecer, mas reúno outros interesses.
Assim, por pensar reunidas as condições de o efectuar, venho denunciar e dissertar sobre uma das mais elementares reações do ser humano, independentemente das ideologias políticas, das crenças, do género a que pertencem, da orientação sexual, da raça ou etnia, do grau de escolaridade e de todos os outros factores que discriminem determinado grupo. Arre! Já estava a ficar cansado e esqueci de incluir uns tantos. Um problema de cada vez. Rebobinando. Zzzz-zzzz-zzzz. “Passar pelas brasas” é, concomitantemente, um assunto do passado, do presente, do futuro e dos restantes tempos verbais. Apesar da boa convivência, manifesto dúvidas relativamente ao gerúndio por designar um modo. Antes de avançar para questões centrais, coloco uma questão: para quando um “É ou Não É?” ou um “Sociedade Civil” sobre a matéria?
(Subindo ao púlpito situado na pequena quantidade de massa cinzenta, o engraçadinho profere – que palavra substitui a “didascália” no texto em prosa? – o discurso defronte de uma plateia em alvoroço).
Caros e caras dormentes, antes de encetar a minha intervenção, quero cumprimentar o Presidente da Casa da Dormência, bem como todos os secretários dispostos ao seu lado e saudar, também, cada um dos dormitórios presentes.
Depois do que escutamos na manhã de hoje, no seio de uma Comissão de Assuntos de Dormência, onde esteve presente o Ministro dos Assuntos da Dormência, não mencionar que o deputado confundiu a expressão “passar pelas brasas” e a colocou no mesmo patamar de avaliação da locução “tirar um cochilo” seria um acto de irresponsabilidade da parte que me toca e uma falta à verdade, com letra capital, aos portugueses que puderam comprovar a patranha em todos os noticiários que marcaram os canais 127 e 433 de uma das boxes que, de momento, não me ilumina a memória.
A melhor maneira de decantar esta encruzilhada por onde nos tenta conduzir o Partido da Dormência Nacional redunda, a meu ver, no delimitar da barreira temporal que lhe está associada. Qualquer comum – leigo nesta matéria – presume que existe uma clivagem entre os ditos “passar pelas brasas”, “tirar um cochilo”, “descansar” e “dormir”. Portanto, senhor deputado e presidente do Partido da Dormência Nacional, faça o favor de não enganar o povo. As pessoas de bem têm a perfeita noção de que “passar pelas brasas” tem a duração máxima de 15/20 minutos, não mais do que isso. Tudo o que transgride esta medida corresponde a “tirar um cochilo”. Normalmente, quando alguém se encontra a neste estado de dormência, estremece sempre que volta a reabrir os olhos, inclinando a cabeça para junto de um dos ombros ou anexando o queixo ao peito. Como sabem – ou, pelo menos, deveriam saber – “passar pelas brasas” implica estar sentado ou numa posição impeditiva do estender dos membros inferiores. Sim, já vi pessoas a “passar pelas brasas” de braços que ladeavam o tronco, retesados e hirtos, numa posição que motivaria, por certo, a apreciação e o louvor do Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas.
Infelizmente, caros dormentes desta câmara, nem todos os deputados eleitos para representar o país estão capacitados para recolherem informação e distinguirem cada uma destas práticas sem palas ideológicas e sem trazer à baila as diretivas populistas de grupos partidários declaradamente populistas e com o objectivo de fomentar o medo e a falsa sensação de insegurança na qual pretendem encarcerar este estudo. Todavia, este dormitório do qual sou porta-voz, mencionará algo que a transmissão televisiva de todos os canais de informação, por razões não apuradas, suprimiu da edição noticiosa. Passo a citar. “Na verdade, passar pelas brasas não difere, em praticamente tópico algum, do habitual descanso perpetrado pelo ser humano durante parte do seu dia. Os portugueses de bem pensam assim e mais ninguém teve coragem de o dizer, mas eu digo-o, sem medo! O tempo do politicamente correcto já lá vai, Sr. Dormente!”.
(Acordo estremunhado pelo ruído da televisão que esquecera de diminuir, sintonizada no Canal Panda, com credíveis imitações de urros e de pateadas nas mesas do tipo de madeira que nunca identifiquei por inépcia pura e dura. Olho para o meu colo, vejo que tenho a Lux aberta e retomo a leitura atenta. Depois, reparo que uma chávena de café repousa sobre o braço do sofá onde me instalei. Continuo sem perceber o porquê de a dormência me ter afectado).
Este autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.