OPINIÃO: Venho denunciar algo muito grave e esquecido pela História

Romão Rodrigues, Mestrado em Jornalismo e Comunicação

Desinteresso-me até certo ponto

Se pensarem bem, aquilo que é vulgar e desinteressante pode suscitar curiosidade.

– “Uau!” – exclamam vocês impressionados com a genialidade.

Todos rimos muito, antes de alguém me acertar com um pau de marmeleiro nas costas.

“Finais de novembro e céu limpo a Norte do país. Desconhece-se o vislumbre do último período de pré-inverno tão azul, caloroso e convidativo ao passeio matinal e/ou vespertino. Saímos à rua a fim de questionar os cidadãos, nomeadamente os portadores de mães/pais de avós no activo, se tinham conhecimento de tal fenómeno na época delimitadora da juventude de bisavós, transmitidos repetidamente sempre que se levantassem razões destinadas a ajuntamentos familiares, prática deposta durante a pandemia. Felizmente, uma cidadã repescou a história contada por três ramificações acima de si na árvore genealógica. Não é assim, Amílcar?

Repórter Amílcar: De facto, Ananias, esta estação foi a primeira, até à data, a encontrar um testemunho que asseverasse e espelhasse o final de novembro de 2024. A história remonta a 1937 e ocorreu na freguesia de Cepães e Fareja, concelho de Fafe. Relate-nos, se possível, sr. Libertino, o dia primaveril vivido na (pode dizer-se) primavera novembrista do ido ano de 1937. Como passou esse dia? O que retirou dele? Que importância lhe atribui?

Senhor Libertino: Bom dia! Olhe, antes de mais, pe-pe-pe-pe-peço-lhe um pouco de com-com-compreensão relativamente à minha condição. Atente nas pa-pa-pa-pa-palavras que enuncio de maneira a infor-for-for-formar correctamente os-os-os-os telespectadores.

Repórter Amílcar: Caro Libertino, desculpe a franqueza, mas rogo-lhe o distanciamento daquele que é o meu trabalho enquanto repórter desta casa e o foco na pergunta que elaborei. A falta de atenção e cuidado, nas palavras dos meus colegas, nunca serviram para classificar a profissão de jornalista que exerço. Agradeço, assim, a salvaguarda do juízo de valor. Queira prosseguir…

Senhor Libertino: Apesar de o não co-co-co-co-conhecer, não contava com a hipersensibilidade do Amílcar. Nas minhas palavras, só encontrou um pe-pe-pe-pedido de rigor e total esclarecimento face ao que viesse a proferir, resultante dos desvios vocabulares potenciados pela ga-ga-ga-gaguez. Bem, vamos ao que inte-te-te-te-teressa. Os meus no-no-no-noventa anos escoaram algumas memórias familiares a afe-fe-fe-fe-fectivas que possuía, nomeadamente ao nível da intimidade levada a cabo com a minha espo-po-po-po-posa e, uns anos mais tarde, já de-de-de-depois do seu falecimento, com o meu genro.

Repórter Amílcar: Libertino, concentre-se no dia primaveril de novembro de 1937. Céu azul, limpo, sol brilhante, árvore vestidas pelas folhas outonais que ainda não haviam caído…

Senhor Libertino: Pois, isso. Novembro de 1937. Que ano repleto de pe-pe-pe-peripécias. Lembra-se daquela equipa do F.C.Po-Po-Po-Porto que venceu a Taça dos Campeões Europeus contra o Bayern München? Madjer, Futre, Juary, João Pinto… que ale-le-le-le-legria! No dia da final, na parte da ma-ma-ma-manhã, eu fiz a primeira de quatro colonoscopias que colecciono. Lembro-me como se fosse hoje porque, ao festejar o segundo go-go-go-golo, deixei um rasto de caca correspondente ao perímetro sinalizador da sa-sa-sa-sala.

Repórter Amílcar: 1937, sr. Libertino! A conquista europeia do F.C. Porto data de 1987. Libertino, chega, neste momento, a informação de que estamos a ficar sem tempo para a recolha do seu testemunho. Reforço a necessidade do contributo e a invulgaridade do mesmo, acontecimento valorizado pela estação e tornado notícia, elevando a qualidade de informação que domina a actualidade do país. Volto a pedir-lhe: fale-nos daquele dia de novembro de 1937, consagrado como o último primaveril decorrido no penúltimo mês do ano civil.

Senhor Libertino: Claro, claro. Foi lapso meu. Para além de ga-ga-ga-gago, a nível auditivo também comporto compe-pe-pe-pe-petências deficitárias. Estou a citar, ipsis litteris, o me-me-me-meu otorrinolaringologista. Portanto, como dizia, na-na-na-na-naquele ano de 1937, realmente, esteve um outono fanta-ta-ta-ta-tástico a nível meteorológico. Até ao final desse ano, raramente choveu e fez fr-fr-fr-frio. Tinha uns 10-12 anos e lembr-br-br-br-bro-me da presença, a não mais de 30 metros deste local, um repórter da rádio a recolher o teste-te-te-te-temunho de um habitante de Cepães e Fareja que, à altura, sobrevivera pela terceira vez à intervenção cirúrgica capaz de remo-mo-mo-mo-mover as pedras dos rins e constatara o pré-inverno primaveril de 1891, aos 14 anos.

Repórter Amílcar: Privou, alguma vez, com esse conterrâneo? Conhece algum familiar com o qual possamos conversar para trabalhos futuros? Do ponto de vista histórico, seria uma ajuda dialogar com familiares…

Senhor Libertino: Sim, sim, conheço perfeitamente. A trineta mo-mo-mo-mora além com o bibelot que adoptou mal fez 18 anos. Consta que o ordenado se apouca perante as despe-pe-pe-pe-pesas de manutenção e saúde. A minha vizinha disse-me, há dias, que ela se vê atarantada para po-po-po-poli-lo bem pelo facto de, após o divórcio, ser difícil manter o agregado familiar com o rendimento que au-au-au-aufere. A história com o marido abalou-a profundamente. Imagine ser traído por alguém que nu-nu-nu-nunca prestou atenção, após anos de matrimónio, à alma situada no canto inferior direito (ou es-es-es-esquerdo?) da televisão, hábil na transmissão do conte-te-te-teúdo noticioso que define o telejornal através de linguagem gestual destinada a surdos! O pária! O pernicioso! O bácoro!

Repórter Amílcar: Uma vez mais, em primeira mão, informação actualizada face à trineta do homem que, em 1891, aos 14 anos, assistiu ao fenómeno de céu limpo e azul e sensação térmica elevada. No parâmetro da meteorologia novembrista, a freguesia de Cepães e Fareja é um verdadeiro propugnáculo…

Senhor Libertino: Exato. Perto do oráculo. Aí me-me-me-mesmo. Vê-se que trabalha na televisão. Olhe, um dia apresento-o à ne-ne-ne-neta multiplicada por três do ilustre habitante da nossa terra. O que acha?

Repórter Amílcar: (esboça um sorriso aviltado e, atrapalhado no raciocínio que detinha, tenta devolver a emissão ao estúdio). Reportagem em direto na união de freguesias de Cepães e Fareja! A estação acompanha a actualidade a cada passo! De volta a ti, Ananias!

Senhor Libertino: Depois, fazia-me o favor de arranjar a grava-va-va-vação da pessoa responsável pela linguagem gestual neste jornal? É que a tal moça está solteira e eu ainda aguento umas brinca-ca-ca-cadeiras…”

Recentemente, li o descrito numa página da internet. Face à devassa anterior, proporei a devida comemoração solene.

Este autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.

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