Já desde Nebula, em “Guardiões da Galáxia”, passando pela aclamada série “Loki”, e culminando, agora, em “Agatha All Along”; o universo Marvel tem sido piloto na conversão emblemática de vilões e antagonistas secundários, em heróis, com direito ao estrelado proporcional aos clássicos “Avengers”.
Resulta daqui uma reinterpretação bastante positiva deste universo de heróis que se tornaria bastante repetitivo e, até certo ponto, obsoleto. A novidade, na indústria sobrelotada do cinema, é importante e Agatha traz-nos uma necessária lufada de ar fresco sobre o universo dos heróis. Nela vemos que o mundo dos super-poderes também consegue ter lugar à mesa, em temas socialmente fraturantes. A “arte imita a vida” e o debate cinematográfico sobre questões sociais, como, por exemplo, questões de género ou inerentes à comunidade LGBT, é de grande importância. “Agatha All Along” é representatividade, é lugar de fala. A série chega a públicos cujo palco principal nunca antes tinha sido dado dentro da Marvel.
Permite-nos também, enquanto espectadores, analisar as personagens de vários prismas, sem lupas perentórias e taxativas sobre o que são boas e más pessoas (ou entidades), não reduzindo estas personagens à sua, inegável por sinal, maldade. Não deixam de ser vilões, não deixam de ter comportamentos eticamente bem reprováveis mas contextualiza esses atos de maldade, realçando o percurso que levou os vilões a serem vilões.
Este trabalho foi bem visível em “Agatha All Along”, a série que transforma a bruxa roxa maquiavélica de “Wandavision” numa personagem carismática e com bastantes traços de humanismo, sempre mascarados pelo seu humor ácido. Mas são os seus defeitos, e a forma como estes são demonstrados, que diferencia “Agatha All Along” de outras produções da Marvel.
A enigmática, e roxa, bruxa Agatha Harkness após ter perdido os seus poderes contra a Feiticeira Escarlate (Scarlet Witch) fica presa e sucumbida a uma vida mundana, muito banal e sem magia. O pesadelo de Agatha e, no fundo, de qualquer outra bruxa. Tudo começa a mudar quando esta sai do feitiço de encantamento e ganha consciência do que a levou até àquele ponto, iniciando assim o “Caminho” para recuperar os seus poderes. Para isto, esta tem que reunir um coven constituído por um conjunto de outras bruxas (mais ou menos frustradas pelos “Caminhos” que a vida as levou), a quem Agatha, claramente maquiavélica, pretende explorar as fragilidades para atingir os seus objetivos. Conhecida por não olhar a meios para atingir os fins, Agatha faz jus à sua reputação. Contudo, a forma cómica e satírica com que o conduz a narrativa faz o espectador perdoar tudo o que ela faça.
A série traz uma visão inovadora sobre os clássicos filmes de heróis da Marvel, dominados essencialmente por heróis masculinos. Abre-nos as portas para “O Caminho das Bruxas” e aqui as protagonistas são todas mulheres, espelhando diversidade dentro do espetro feminino e trazendo um vislumbre sobre um mundo Marvel diferente (para melhor) do que estamos habituados.
Sobre tons mais escuros e sombrios, vamos acompanhando-as por esse “Caminho”, praticamente por explorar e cercado de adversidades e obstáculos. A trilha sonora, e a música várias vezes e sobre diferentes timbres e cenários interpretada, acompanha o mistério. Há uma necessidade de resposta, a procura de uma solução, a pairar ao longo da trama e isto vai incomodando subtilmente o espectador inquieto que se pergunta regularmente ‘algo aqui não está certo’. A série é composta por 10 episódios, encontra-se disponível na Disney+ e promete enfeitiçar os espectadores que ficarão viciados na música de Agatha: “down, down, down the road (down the witches road)”.
Estrelas: 7,5 em 10