Desde Coimbra que não acordo a horas fixas. Sou aquilo a que se pode chamar um sonâmbulo diurno. Até ao café pós-almoço, que depois a vida desenrola-se. É como um vinil, há uma ou outra música que gostamos, mas por preguiça de levantar a agulha até a terceira linha ouvimos tudo (e até gostamos).
Depois do despertador sou rápido. Viro a cabeça, vejo as horas e penso num pequeno roteiro: levanto-me, faço o que tenho a fazer em casa, visto-me, pego nas chaves de casa, numa mochila com um caderno de capa dura negra, num livro que se emparelhe com a minha disposição psicológica, um estojo com duas Parkers de tinta preta (porque não tolero a tinta azul) e entrego-me o foro social.
Num dia ideal o sol banha-me o rosto logo à porta, ou então será um dia cinzento daqueles que a memória não recorda com especial carinho. Quando chego ao café sento-me, e como é de manhã dispenso companhia. A minha voz ainda não se aqueceu para raciocinar socialmente.
Quando me chega o café, peço o jornal, (às vezes passo antes pela tabacaria, para o comprar. Leio o que mais me agradar). Imediatamente deparo-me com o cansaço da atualidade quase amórfica.
A direita continua conservadora, vai chumbar a eutanásia porque “quem é que tu pensas que és para decidir se queres ou não morrer, ora pensa lá melhor se não queres sofrer mais uns aninhos?”.
Os discursos populistas ascendem com os mesmos meios de sempre – nesta altura já estou a mexericar no telemóvel – a demagogia, discursos vagos, palavras cheias de nada “digam aos portugueses que vão pagar”, certo, mas vamos pagar o quê sr. deputado André? “não importa, é dinheiro, que era dos portugueses, e agora vão pagar! Na Alemanha e na Dinamarca não há dessas crises ambientais. Estes gajos, querem-vos o dinheiro!” (parafraseando)
A este ponto já dobrei o jornal, guardei o telemóvel e leio Herberto Helder. Delicio-me com as palavras dele até o meu estômago pedir pão, “pão sem literatura (…) senhores do surrealismo” como diria Luiz Pacheco. Depois regresso a casa. Preparo o almoço. Como. Por fim tiro o meu café. Assim que tomado regresso à vida. Acordo.
Este autor não escreve segundo o novo acordo ortográfico.