OPINIÃO: O erro de perdurar no tempo

Márcio Luís Lima, 22 anos, Estudante de mestrado em Filosofia na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra

Crónicas Avulso

Tenho um certo gosto pelo analógico. Não descarto o digital, as vaidades da apple, por exemplo. É certo que o preço é elevado, mas a qualidade é ótima. Nunca tive um telemóvel tão bom como um iphone e também nunca tive um computador tão bom como um macbook air. Falando em qualidade, os airpods também são ótimos. Tudo caríssimo e é preciso estimar/esticar o máximo de tempo possível, pois não são coisas que se troquem facilmente.

Já tive outros dispositivos digitais e todos tiveram de ser reparados ou trocados ao fim de dois anos. Recentemente tive um computador portátil que me durou dois anos e meio. A bateria queimou e mais uma data de problemas. Felizmente fiz uma extensão de garantia e devolveram-me uma nota de crédito, cujo valor era suficiente para comprar a playstation 5. No fundo fiz uma troca, um computador emperrado por uma consola perfeita.

Mas vá lá, esta crónica não é de cariz publicitário. O meu ponto é precisamente o oposto. A fragilidade do digital. Recentemente descobri dois rolos guardados aqui por casa. Mandei-os revelar e descobri fotos de quando tinha seis anos. Portanto, os rolos estavam guardados há mais de dezasseis anos. Duvido que algum dos meus velhos telemóveis possam revelar-me alguma foto ao fim de dezasseis anos.

Juntamente com os rolos pensei em verificar o estado da velha máquina fotográfica dos meus pais. Percebi que era uma máquina alemã, 35 milímetros, e que funcionava na perfeição. Comprei um rolo. Aprendi a logística da fotografia analógica e por enquanto ando-me a divertir a fotografar a minha namorada e ela a mim. Não há como percecionar o resultado final da fotografia. Há um buraco através do qual olhamos e deduzimos o enquadramento. Depois faço a contagem mentalmente porque o contador está avariado. Faço girar a pequena roldana do lado direito até se dar um estalido e está pronta para uma nova fotografia.

O rolo dá para trinta e seis fotografias. Trinta e sete se for bem colocado. A revelação são seis euros e a impressão das fotos sai a sessenta cêntimos cada. É mais caro que simplesmente tirar fotos com o telemóvel e postar nas redes sociais, mas é diferente. Não há a escolha, não há como ser mesquinho. Não há edição. Carrego no botão e no final, depois de impressas, ficam como ficarem. Coloca-se num álbum e esperasse que daqui a outros dezasseis anos possamos olhar para elas com a mesma nostalgia com que eu olhei as recentemente reveladas.

Apercebi-me que a escrita “analógica”, numa hipotética máquina de escrever, também tinha essa característica. Se não gostássemos de uma palavra, de uma frase, de uma página inteira só havia a opção de rasgar tudo e principiar novamente. Uma grande diferença entre o analógico e digital é precisamente o resgate e o registo do erro humano. A descoberta pela tentativa erro. E há certos erros que amadurecem com o tempo e se tornam nalgo melhor. A constante decisão, cortes e escolhas do digital, elevam tudo à suposta perfeição que não sei se perdurará no tempo.

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